Talvez seja pela perspectiva caótica da atualidade, mas quando olho para trás, mais precisamente para 2009, lembro de um mundo muito mais simples e “inocente”. Havia uma estabilidade global que, apesar de qualquer problema, não se faz sentir nos dias de hoje. E é a partir desse cenário que o primeiro Zumbilândia, de Ruben Fleischer, 2009, conquistou sua legião de fãs – comigo incluso – ao explorar o gênero de zumbi (ainda em moda na época) com uma pegada diferente dos demais: era uma história leve e divertida, e sem qualquer forma de crítica ou comentário social, algo tão comum desde o início e grande exemplo dessa forma do gênero: A Noite dos Mortos Vivos, de George A. Romero, 1968. Zumbilândia parece ser o reflexo despreocupado de um período bem menos conturbado.
A chegada de Zumbilândia: Atire Duas Vezes poderia ser um resgate a essa sensação de simplicidade e, através do caos ordenado daquele universo, oferecer cerca de 90 minutos de despreocupação e leveza. E apesar de que acredito que boa parte do público – tal como na sessão que assisti – sairá leve após muitas risadas, o filme Zumbilândia peca pela falta de perspectiva que o torna anacrônico. Zumbilândia: Atire Duas Vezes não é um filme de 2019, mas de dez anos atrás. Aliás, mal da pra dizer que ele é um filme original, mas uma lembrança do primeiro filme tão saudosa quanto apegada. Um autoelogio bem narcisista. O retorno de Ruben Fleischer (direção), Rhett Reese e Paul Wernick (roteiro, juntos com Dave Callaham) era promissor até ficar claro que o Zumbilândia: Atire Duas Vezes não tinha realmente uma nova história para contar, mas não faltam referências pop aleatórias em geral e, principalmente, resgates, acenos e homenagens ao primeiro filme.
Basicamente a história é essa: dez anos depois dos eventos do primeiro filme, Little Rock (Abigail Breslin) está em plena adolescência e sente falta de pessoas da mesma idade. Então ela foge com Berkeley, um hippie músico, para uma comunidade hippie pacifista no meio a balburdia zumbilesca. Apesar de promissor, o arco de Little Rock pouco e mal explorado, quase sem tempo de tela. A única parte realmente original do filme é uma desculpa mal elaborada para conduzir o clímax para um cenário que permitisse – como toda continuação injustificada – explorar o caos grandiloquente.
Enquanto isso, Tallahassee (Woody Harrelson), que assumiu o papel paterno para a adolescente com tanto empenho que virou o estereótipo datado e machista do papai-ultraprotetor-ciumento-que-sufoca-a-filha, e o casal em conflito Columbus (Jesse Eisenberg) e Wichita (Emma Stone) partem em busca de Little Rock. No meio do caminho, encontram outro estereótipo datado e machista, Madison (Zoey Deutch), cuja descrição mais certeira possível é: a loira burra.
Em pleno 2019, Zumbilândia: Atire Duas Vezes deseja ser um filme dos anos 1980. Mas para ser sincero, o primeiro Zumbilândia já utilizava esse imaginário estereotipado. As mulheres eram traiçoeiras e precisam dos homens para serem salvas no final. A continuação ainda busca mudar essa perspectiva com a personagem Nevada (Rosario Dawson), a típica badass. E conseguiria se não fosse a sequência de Tallahassee e Albuquerque (Luke Wilson) conversando sobre ela como apenas um objeto sexual, um lugar onde podem “estacionar o carro”. Na frente dela, que acha graça. É uma pena (com perdão pelo eufemismo) que essa piada ainda tenha tanto público.
Zumbilândia: Atire Duas Vezes é, em resumo, anacrônico. A forma narrativa, protocolar e superficial não é o problema, mas essa deturpação do espaço e do tempo. Um filme de 2019 que quer ser de décadas atrás. Nos únicos dois momentos que consegui rir, achei que as piadas foram perfeitas exatamente por assumirem a perspectiva do tempo em que se encontra. Na primeira, um comentário hilário sobre a HQ (e a série, de tabela) – The Walking Dead. Noutro momento divertido, os personagens zombam uma ideia da Maddison que, caso o mundo não virasse uma terra devastada, viria a ser o Uber. Ainda que a piada se alongue, os comentários são divertidos por confrontar a perspectiva de 2009 com a de 2019. Nessas situações, Zumbilândia: Atire Duas Vezes extraiu algo novo para o filme, algo único. Além de um bom falso plano-sequência, dinâmico e divertido. Mas essas são as exceções. Haveria a possibilidade de algo novo com as categorias de zumbis, que vão de Homer (o mais idiota possível e quase inofensivo) até T-800 (quase indestrutíveis e inteligente), mas isso é ignorado. O primeiro T-800 enfrentado dá um trabalho tamanho que a forma como tudo termina soa preguiçosa e, ainda, torna essa “novidade” em algo simplesmente irrelevante.
Zumbilândia: Atire Duas Vezes não quer ser um filme próprio, mas apenas um lembrete de como o primeiro filme é divertido. A repetição dos letreiros das regras, por exemplo, usado comedidamente no anterior, é quase ininterrupta nessa continuação. Até mesmo a piada sensacional com o Bill Murray é resgatada através de comentários que simplesmente não fazem sentido. Até mesmo um filme cuja lógica é quase inexistente, há um mínimo de coerência necessária e Zumbilândia: Atire Duas Vezes não parece se preocupar com ela ao espremer a piada até que toda sua graça se dilua em autorreferências esquecíveis. Tal como o filme.
Data de estreia: 24 de outubro de 2019
Título Original: Zombieland: Double Tap
Gênero: Ação, Comédia, Terror
Duração: 1h39
Classificação: 16 anos
País: Estados Unidos
Direção: Ruben Fleischer
Roteiro: Rhett Reese, Paul Wernick, Dave Callaham
Cinematografia: Chung-hoon Chung
Edição: Chris Patterson, Dirk Westervelt
Trilha Sonora: David Sardy
Elenco: Woody Harrelson, Jesse Eisenberg, Emma Stone, Abigail Breslin, Zoey Deutch, Avan Jogia, Rosario Dawson, Luke Wilson, Thomas Middleditch
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