Imagine que um grande banco americano tenha sido assaltado e os ladrões tenham levado consigo 10,6 bilhões de dólares. Isso equivale a 0,76% dos dólares em circulação hoje¹. Mais ou menos o valor de uma olimpíada no Rio de Janeiro. Parece muito, mas, no contexto da economia global, não é tanto. O Whatsapp foi comprado pelo Facebook por mais ou menos o dobro disso. Agora imagine que esse hack gerasse uma queda de 21% de um dia para outro nos mercados globais.
Pois um roubo dessa escala aconteceu no dia 2 de agosto na maior exchange (casa de câmbio online) de bitcoins do mundo, a Bitfinex. 119.756 bitcoins foram desviados dos cofres digitais da instituição, justamente 0,76% dos bitcoins em circulação. O preço do bitcoin, que já estava caindo desde o início do mês, despencou 21% em menos de um dia. O pior dia da crise de 2008 teve um crash de apenas 7,87% no Dow Jones. A Black Monday de 1929 viu uma queda de 12,82%.
Se voltarmos ao exemplo do grande banco americano, os 10,6 bilhões de dólares roubados teriam destruído quase 259 bilhões de dólares no valor da moeda, se a reação do mercado fosse proporcional ao que aconteceu com os bitcoins. Mas não parece que a amplitude dessa reação fictícia negativa seria razoável. Afinal de contas, a conjuntura econômica dos Estados Unidos, que é a base da confiança no dólar, não mudou, só porque um banco grande foi hackeado. O problema foi do banco, não do dólar. O banco possivelmente entraria em falência, as suas ações virariam pó e o valor do dólar, no mercado global, poderia variar um pouco. Mas, no minuto seguinte, as pessoas continuariam seus negócios como de costume: em dólar.
Naturalmente, bitcoin não é dólar e a realidade foi, claramente, outra. Um problema em uma empresa privada específica causou grande comoção na economia inteira do bitcoin. E é importante observar isso, pois quem tem interesse em se envolver mais com critpomoedas deve entender onde está se metendo. O bitcoin é algo muito novo, muito recente. Foi criado há apenas 7 anos. Todos estão aprendendo a lidar com esse novo ativo financeiro, então todos são mais sensíveis a mudanças. Ou seja, a volatilidade do bitcoin é alta: uma notícia pode fazer o preço cair muito, como no caso do hack da Bitfinex, mas pode também fazer o preço subir bastante, como vimos em maio e junho, por causa do aumento do interesse dos chineses.
Outra grande lição desse episódio é que não se deve usar exchanges para guardar seus próprios bitcoins. Esses serviços acumulam muitos bitcoins de seus usuários e, portanto, são alvos atraentes para hackers, como qualquer banco. Lugar de guardar bitcoin é em programas próprios para isso, as carteiras ou wallets. Seja no seu computador, seja no seu celular. Valores maiores de bitcoins devem ser guardados ou em um aparelho que nunca se conecta à internet, ou em backups de papel. Há, inclusive gadgets desenvolvidos especialmente para para esse fim, como os das empresas Ledger ou Trezor.
No caso da Bitfinex, até quem tinha depositado dólares, e não bitcoins, na plataforma, perdeu dinheiro. Pois a empresa decidiu “socializar” o prejuízo: todos os seus clientes tiveram os seus saldos diminuídos em aproximadamente 30%. Mesmo quem não tinha bitcoins na plataforma para serem roubados. Isso já aconteceu na economia tradicional e não é novidade. Os clientes da Bitfinex assinaram termos de uso concordando com esse tipo de solução (mesmo a gente sabendo que ninguém lê termos de uso de sites – outra lição).
Mas a Bitfinex fez algo que, para um banco normal, seria muito complicado de fazer: em questão de dias, criou uma nova classe de tokens (ou fichas, ou ações, ou moedas) e distribui para seus clientes, na proporção da perda de cada um. É uma criptomoeda nova, com o nome de BFX, que representa uma promessa da empresa em ressarcir o prejuízo dos seus clientes com parte de seus lucros futuros. Cada BFX tem um valor de “face” de 1 dólar. É uma alternativa inovadora e uma atitude interessante da empresa perante seus clientes, só possível graças à tecnologia de blockchains, que faz esse mundo das criptomoedas girar.
No momento em que escrevo isso, o BFX está sendo ativamente negociado na própria BFX, valendo 28 centavos de dólar e gerando o maior volume de trade na Btifinex. A vida continua.
Fonte:
¹https://www.federalreserve.gov/faqs/currency_12773.htm