O cigarro indonésio de cravo GUDANG GARANG era usado como moeda nas casas noturas, baladas e shows durante os anos 90, especialmente no Brasil.
Na verdade, ele era usado para quase tudo. Um maço, custava aproximadamente 30 reais em 1994, o ano da criação do plano real (em valores atualizados seria algo como uns 280 reais hoje).
Cada cigarro picado era vendido por 5 reais. Com exceção daqueles poucos privilegiados que podiam comprá-lo diretamente na Indonésia (custava alguns centavos o maço), o restante procurava alguma forma de deságio na cotação estabelecida pelo mercado negro.
Quase uma moeda perfeita
Obviamente não era uma moeda perfeita, pois não poderia ser usado como reserva de valor, não tinha divisibilidade (ninguém aceitava “meio cigarro” em troca de nada) mas era um meio de troca razoavelmente eficiente, com ampla aceitação.
Com isso, criou-se uma cotação oficial, onde agiotas de GUDANG ganhavam com as oscilações das cotações paralelas. Criou-se uma indexação de preços pelo GUDANG.
Um cigarro indonésio valia 3 garrafas de Brahma ou Antártica. Uma dose de scotch 12 anos. Duas ou três doses de outros destilados ‘bons’ como Orloff ou tequila José Cuervo. Uma porção grande de batata frita ou outra semelhante.
Os garçons geralmente recebiam os cigarros, verificavam sua autenticidade (apenas a prova de olfato, o potente aroma de cravo era inconfundível, era suficiente.
Em alguns casos, alguns ‘experts’ avaliavam outros ‘itens de segurança’ do produto. Caso o maço estivesse ainda fechado – o que elevava a credibilidade que o cigarro era original – a cotação subia).
Um bom negociador podia beber a noite toda com 2 GUDANGS. Os garçons, gerentes de casa noturna ou porteiros de boate, aceitavam como pagamento pois depois os recebiam por um preço acima do preço dos itens trocados nesse escambo.
A economia do Cigarro Gudang
Era a economia informal do GUDANG. Alguns “espertos” pretendiam acumular cigarros por meses para usá-los em períodos de maior demanda (férias, feriados, festas juninas, shows importantes ou outros eventos de maior visibilidade).
O óleo de cravo, que dava o aroma característico – e o torpor típico – também conservava os kretek (nome genérico de qualquer cigarro indonésio) por meses ou até mais de ano.
Havia toda uma série de leis econômicas de oferta e demanda, de valor subjetivo dado conforme a ocasião (um recém chegado no boteco podia trocar um único cigarro por um drink.
Já um bêbado de fim de noite, ávido por mais uma dose, estaria disposto à trocar dois ou três, e dependendo do teor etílico no sangue, até mais). O lance era a capacidade de negociação. A percepção de valor era o ponto central.
Os derivativos com Gudang
Cada um dos lados da negociação só fazia negócios sabendo que iria obter uma vantagem econômica imediata ou futura. E isso variava bastante em função de dezenas de variáveis, a maioria subjetiva.
Alguns compravam um maço por 30 reais e conseguiam fazê-lo se transformar em 100 reais em produtos/serviços negociados. O dono do estabelecimento obviamente só aceitava essa moeda, tendo certeza que a venderia com lucro para o próximo freguês.
Havia apostas futuras na sobrevalorização, havia contratos de risco (o sujeito estaria obrigado a recomprar o kretek caso a casa noturna não tivesse um mínimo de frequentadores aquela noite).
Havia indexadores de preços, bolsas informais de valor, e o GUDANG era um indicador de preços mais confiável que os índices econométricos. E isso foi só no Brasil.
Durante a hiperinflação da Alemanha, os cigarros também foram utilizados como moeda-mercadoria, mais confiáveis que o dinheiro estatal. Um maço de cigarros e percepção de valor conseguem nos ensinar muito sobre economia monetária.
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