Buscando ampliar o universo cinematográfico da DC, Shazam se apresenta como uma alternativa leve, descontraída, tendo a diversão como principal objetivo. Centrado na figura de Billy Batson, um adolescente que cresceu sem seus pais, passando por uma série de casas adotivas, o filme, mesmo sendo o mais despretensioso possível, busca passar uma importante mensagem a respeito do valor da família. Em sintonia com seus dramas pessoais, Billy é apresentado como um garoto rebelde, esperto e revoltado com sua condição, tendo como maior ambição de vida reencontrar sua mãe. Após passar por uma série de lares adotivos, Billy é novamente adotado, dessa vez por um casal que tem o costume de adotar crianças. Não se adaptando, como de costume, à situação, Billy de uma hora para a outra é envolto em uma trama mágica que muda o rumo de sua vida e acarreta em impactantes consequências a respeito de sua relação com seu novo lar.
O lado lúdico do filme é impecável, a maneira como o universo em torno da mitologia do Shazam é construída é bem envolvente e imersiva, conseguindo estabelecer conexões pontuais com o universo DC, ao mesmo tempo em que dá uma característica própria à mitologia do filme. Importante destacar também a figura do vilão que consegue transmitir um bom senso de ameaça e tem suas motivações construídas de maneira coerente e convincente. Da mesma maneira, a dinâmica entre os personagens principais é um dos pontos altos do longa. Destaque para a interpretação Jack Dylan Grazer como Freddy e a sintonia entre Asher Angel e Zachary Levi, que conseguem transmitir autenticidade à performance pessoal de cada um ao mesmo tempo que estabelece um diálogo único que permite ao espectador captar bem a ideia do personagem.
A maneira como o roteiro explora a construção do herói a partir da perspectiva de um adolescente é o cerne da estrutura da narrativa e o elemento principal que dá à estória seu teor espontâneo. Nada mais coerente, aliás, são as atitudes que o personagem principal toma na jornada em busca de descobrir seus poderes. A figura ambígua do herói é o ponto chave da estória. Shazam é o filme mais despretensioso da DC, mas não deixa de tocar em pontos de discussões interessantes. Aqui, além do fator familiar, a preocupação sobre o mal toma conta da narrativa, entrando em sincronia com a mitologia explorada, na qual Shazam assume o manto de um campeão virtuoso contra a personificação dos pecados capitais.
O interessante na trama é que, Billy, representado aquilo que o Mago Shazam não buscava inicialmente, ainda sim é aquele que, mesmo não sendo o mais puro dos corações, se coloca diante do mal para combatê-lo. O que redime Billy, o jovem revoltado e irresponsável, é a graça, a mesma graça que não foi concebida pelo Dr. Silvana (antagonista do filme), de tal maneira que, enquanto Dr. Silvana imerge na perdição, tomado por ressentimento e culpa, Billy supera seus demônios e encontra o caminho para a justiça. Em suma, o mais puro dos corações é uma fantasia, uma pessoa impossível de ser encontrada, o que separa os bons dos maus é a recepção da graça, é a postura perante a própria culpa e a tentativa de amadurecer a partir dela.
E é justamente explorando uma atmosfera otimista de triunfo sobre o mal que Shazam conclui sua trama. Nada mais adequado para um filme de herói. Como dizia o filósofo Edmund Burke: “para que o mal triunfe basta que os homens bons não façam nada.” A figura do herói é justamente o arquétipo idealizado do homem bom que combate o mal, não à toa o tema da glorificação do herói perpassa todo o filme, transmitindo a sensação de esperança e segurança a partir da ideia de que existem aqueles que lutarão por nós.
Shazam não é um filme extraordinário, nem tenta ser, seu objetivo, antes de tudo, é entreter, divertir. E por isso acerta. A luta do bem contra o mal ao mesmo tempo que é a base da estória não é levada a um pano de fundo dramático distante da proposta do personagem, e isso cria o diferencial para o acerto do longa, pois há um ajuste de tom que faz do filme ser capaz de entregar o que quer entregar de maneira coerente com suas premissas. Shazam é divertido e criativo. Consegue surpreender, emocionar e cativar o espectador, ao mesmo tempo em que se apresenta como uma obra despretensiosa e desapegada que toca nos sentimentos mais primitivos e inocentes que uma boa história de super heróis pode querer explorar.