CONTOS DE ROBERTO AFHONSO

in escrevendo •  6 years ago  (edited)

UMA CONVERSA INFORMAL

Por favor, sente-se, fique à vontade, aprecia um bom vinho? Ótimo, dentro de minutos meu secretário nos estará servindo, continua firme escrevendo? Bom! Isso é muito bom, deixe ver se eu acerto, você escreveu dez ou onze livros, quinze? Puxa! Preciso me atualizar, mas não importa, até que você escreve razoavelmente bem, não entendo porque você está fazendo esta cara, é minha opinião, acho que todo escritor que se preze tem que aceitar opiniões, quer agradem ou não, ou você se julga o suprassumo dos escritores? Não parece, não parece, tudo bem, mas agora que já passou todo seu espanto por ter esta minha bela pessoa à sua frente, vai iniciar a conversa que eu quero ter com você, mas meu caro escritor esta conversa é informal e nada tem de desabafo porque modéstia à parte nunca tive necessidade de um ombro amigo para confidências, isso é inerente a você e não a mim, estamos entendidos?
Confesso a você que com a chegada do século vinte, o conceito que vocês fazem de pessoas como eu mudaria, mas a verdade é que o século vinte acabou, entramos no novo século, o que vejo? Não mudou nada, continua do mesmo jeito e pelo que percebo a tendência é piorar.
Como você me descreve? Não, não precisa responder, porque vou responder.
Você me descreve como um ser das trevas, que sai da tumba para sugar sangue dos vivos, basta abrirem um dicionário, ver o verbete vampiro que é o mesmo que morto vivo.
Eu um morto vivo, enquanto que você é um ser vivo, quanta mentira e inversão de valores, de tudo o que vocês falam de mim, a única afirmativa que se aproxima um pouco da verdade é de que sou um ser das trevas, quanto ao resto, quanta ingenuidade, olha que estamos no século vinte e um, e a baboseira continua.
Na verdade meu amigo sou um ser vivo no sentido lato da palavra, E MORTO VIVO É VOCÊ. Não! Não fique indignado não. Esta afirmativa é real. EU SOU IMORTAL! Você? Nem preciso falar não é? Enquanto o meu destino é viver indefinidamente, o seu... O seu mais dias ou menos dias é a sepultura, a morte, o nada.
Estou certo ou estou errado? Ah! Quer saber por que sou imortal, mas porque, não é isso que você coloca nos seus textos, ou não? Está bem, está bem eu explico, eu sou um capricho da Natureza, cá estou eu e uns poucos semelhantes a mim, ou seja, comigo a natureza caprichou, já com você...
Bem! Não cabe aqui discutir os caprichos da Natureza, porque eu imortal e você mortal, o cerne de nossa conversa, é desmistificar o conceito que você faz de mim, porque sobre você, sei muito mais do que podes imaginar, e você sobre mim não sabe nada.
Ah ia me esquecendo, para que este papo produza resultado, seria bom que você soubesse que não existe inferno e muito menos, Lúcifer, Satanás, eu digo isso, porque você me associa a algo que não existe, quantas vezes nos seus livros você afirmou que eu sou filho do diabo, como eu posso ser filho de algo que não existe?
Afirmo que sou um capricho da Natureza, essa é a pura verdade, o resto é especulação. Sou um ser dotado de sentimentos, o que não acredita? Mas acredite, sou um ser lógico, o meu norte é a lógica pura, portanto não são os sentimentos que me norteiam e sim a lógica. Eu sei que você está doido para perguntar, mas tem receio. Se não existe diabo existe Deus? Aqui é que entra os meus sentimentos, eu entendo seus medos e dúvidas, você talvez fosse o último dos mortais, candidato ao túmulo, desculpa tem hora que eu gosto de tirar uma, não se ofenda não. a questionar a existência ou não de Deus. Eu respondo se não existe Lúcifer isto não quer dizer que não exista Deus.
Quantos anos você tem quarenta, cinquenta?
Quanto a mim tenho mais de dez mil anos. Nossa! Seu queixo caiu pegue-o e recoloque-o no lugar. Sim senhor, eu tenho mais de dez mil anos de vida plena! Morei em cavernas, já existia antes da era do fogo.
Eu posso te afirmar que sou um ser quase perfeito, eu digo quase, porque tenho somente uma limitação, que se relaciona naquilo que você acredita que eu seja um ser das trevas, lembra-se do inicio do nosso papo, em que eu disse que a única afirmativa mais ou menos certa sobre mim, era essa? Portanto é a minha única restrição, perfeitamente contornável, posteriormente falarei dela. Calma! Você tem que ter calma, é claro que falarei, mas antes tenho muita coisa a esclarecer.
Um passo de cada vez, esta minha restrição, tira de mim a possibilidade da perfeição, fato que não me aborrece, pois minha criadora a Natureza também não é perfeita, mas ela tem muito mais chance de atingir a perfeição do que eu, ela esta em contínuo aprimoramento, eu já sou um pouco descuidado.
Ah sim, respondo com a maior tranquilidade, sou descrito como sugador de sangue, utilizando para sugar o sangue das vítimas as minhas presas caninas. Percebe como isso é irônico, veja alguma vez em sua vida você viu uma arcada dentária tão perfeita quanto a minha, claro pode examinar a vontade.
Admirado? Então dá para você concluir, que é pura fantasia essa de que eu sugo sangue. Oh meu caro morto vivo. Eu degusto o sangue humano como degusto o melhor dos vinhos, como este que você esta tomando e olhe que possuo inúmeras adegas ao redor do mundo com o que há de melhor com referencia a vinhos.
Só um minuto, por favor, o meu secretário está ansioso para me dizer algo. Onde estávamos? Ah sim, a questão do sangue. Eu retiro o sangue das minhas vítimas humanas por meio mecânico, na verdade não eu e sim o meu secretário, eu apenas as caço. Ele o acondiciona em litros esterilizados, e os coloca em minha adega, esse sangue terá como vizinho o que há de melhor em vinhos do mundo, a vítima por sua vez morre, o que é muito natural. O único inconveniente é que este sangue tem validade de trinta dias, não mais. Não, o sangue não precisa ser mantido refrigerado, cada litro recebe uma gota de minha saliva, o que o torna incorruptível, igualando-o em qualidade ao mel das abelhas.
E como o sangue de um humano adulto é suficiente para mim por trinta dias, o qual eu degusto em pequenos goles usando para isso taças de fino cristal, como esta que você segura na sua mão direita, que por sinal não entendo, porque está tremendo tanto. O caso é que não precisa ser inteligente para concluir, que é uma mentira deslavada, essa de que eu saio toda noite caçando mortos vivos para chupar sangue.
Meu caro escritor vampiresco, o que o meu secretário me passou é que a reserva de sangue dá só para mais um dia, e que, portanto tenho que sair à caça, sim é isso mesmo o que você está pensando, se você prestou atenção em tudo o que lhe disse, vai se lembrar de que afirmei nessa nossa conversa informal que sou meio descuidado, te confesso que estou chateado, pois além de descuidado, sou também acomodado, e pela lógica, sempre a lógica, não preciso hoje sair e caçar, já que a caça esta sentada confortavelmente à minha frente.
Não, por favor, não se desespere, aceite, quem tem que ficar chateado é eu, que terei que convidar outro escritor de contos sobre vampiros, repetir toda essa nossa conversa, mas já tenho um escritor em mente, ele anda publicando contos de vampiros na internet, mas com ele tomarei o cuidado da entrevista se realizar já na próxima semana, quando ainda terei sangue suficiente, no caso o seu, que não colocará a vida dele em risco, pois ele é um jovem que promete ser um ótimo escritor, tenho certeza de que irá longe, deu para sentir que realmente possuo sentimentos? Desejo-te uma boa morte.

RECANTO DAS LETRAS
Roberto Afhonso
Enviado por Roberto Afhonso em 09/06/2014
Reeditado em 17/05/2018
Código do texto: T4838466
Classificação de conteúdo: seguro

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Foto de Alban Martel no UnsplashBrandi Redd

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