A morte de uma geração

in geracao •  6 years ago 

Na segunda metade da década de 90 era a época da minha adolescência, aonde eu estudei num rígido Colégio Militar aonde tínhamos que andar na linha, não podíamos deixar de fazer a barba todos os dias, as mulheres não podíam usar brincos grandes e quando começava a aula ficavamos em forma na sala aonde o "xerife" (tipo o do filme Tropa de Elite) ou "chefe de turma" apresentava os alunos em forma ao professor.

Mas, adolescente é adolescente né, e sempre que tínhamos alguma oportunidade fazíamos a nossa bagunça principalmente o fundão da sala. Pra piorar éramos a turma mais escrachada do colégio chamada pelas outras de "A favela do Colégio Militar"(farei outro artigo sobre isso futuramente).

Naquela época havia um movimento de explosão musical no Brasil, a internet estava em fase embrionária e a MTV que tinha acabado de chegar em Belo Horizonte a poucos anos era aonde parte daquela geração começou a ter contato com novos movimentos musicais. Bandas como Chico Science e Nação Zumbi, Rappa e principalmente Raimundos e Planet Hemp eram a grande novidade. Ouvíamos tb bandas antigas de metal (algo comum da juventude belorizontina) e rock no geral, mas as citadas que estavam em destaque naquela época. Claro havíam tb os que curtíam pagode, não eram vistos como inimigos, mas não vou focar neles.

No "grupo dos que ouviam rock" haviam os que curtiam mais Planet Hemp e os que curtiam mais Raimundos mas ambos gostavam do cenário como um todo. Emprestávamos CDs e VHSs uns aos outros para que conhecesse-mos as músicas e nossos pais se chocavam e desaprovavam o visual, as música e as letras dessas bandas (coisa que adolescente gostava de mostrar por rebeldia).
Nos intervalos das aulas, quando não haviam algum sargento por perto, alguém colocava um radinho de CD na tomada do fundo da sala e tocava ora Raimundos, ora Planet e a gente fazendo moshs bradávamos "EU QUERO É VER O OCO!" ou "D2 PRA MANTER O RESPEITO!" enquanto não chegava o professor da próxima aula ou quando era hora do recreio. (Sim, ironicamente isso acontecia até num disciplinado Colégio Militar, claro que vez ou outra alguém era flagrado e pegava um "estudo obrigatório" no fim de semana aonde éramos obrigados a ir lá no colégio ficar estudando por 4 horas).

Raimundos-teaser.jpg

Porém, essa alegria estupefaciente de uma geração começou a ter contato com a realidade quando aquelas bandas foram acabando. Inicialmente foi o Chico Science que morreu de forma trágica. Ainda não havia nos impactado tanto pois embora ouvíssemos, não era a banda favorita de ninguém. Depois os integrantes do Planet começaram a ser presos até a banda acabar. Mas o maior destaque mesmo foi o fim do Raimundos. Alguns colegas diziam que "Raimundos é religião" tamanha a paixão pelo grupo.
Num belo dia, eu chego na sala e em vez de ver todo mundo conversando animado vinha no ar um clima de LUTO. Alguns colegas apáticos falando entre si em um baixo tom de voz. Vou indo pro fundão procurando meu lugar e pergunto um "O que aconteceu?" esperando uma resposta de que alguém teria morrido.

  • O Rodolfo virou crente!

A resposta era tão inimaginável que no momento que meu colega disse isso, pensei que ele falava de um aluno de outra sala, que realmente não tinha cara de que viraria crente algum dia.

  • O Rodolfo dos Raimundos! - disse ele ao perceber que eu tinha entendido o outro Rodolfo.

Ironicamente naquela época, crente não era bem visto pelos meus colegas, se fosse homem as vezes até sofria bullying. Mesmo eu católico não falava de religião pra não perder o respeito. O ícone portanto da geração tornar o que aquela geração desprezava foi um tapa de luvas da realidade.

Naquele dia marcou-se o fim daquela cultura rock/hardcore noventista, teve tb o Rage Against the Machine que ouvíamos acabando na esfera internacional. Não vou dizer que aqueles jovens com hormônios pululantes perderam a graça da vida ali, o que morreu foi uma geração cultural com cada um seguindo outros rumos culturais no campo da música, seja metal, trance, rap e etc.

Como é inevitável na vida aquele movimento teve seu fim, assim como o movimento hippie acabou nos EUA com o Charles Manson ou o punk oitentista brasileiro com uma reportagem do Fantástico. Tb não acho que o Rodolfo deveria ser criticado pela sua escolha, visto que todo esse processo evolutivo faz parte da vida, pelo que pude ver até meus colegas foram maduros em perceber isso e não ficaram atacando ele (pelo menos eu não percebi). Mas claramente naquele dia houve uma ruptura.

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