Em política, na maior parte das vezes, as coisas não são o que parecem. Os Parlamentos, os Governos, os Partidos Políticos e as organizações dos chamados Parceiros Sociais, são um formigueiro no qual, as formigas não trabalham todas para o mesmo fim. Interesses pessoais cruzam-se com interesses de grupos que por sua vez se intersectam, ou não, entre si. É uma corrida para agarrar um bocado de um bolo que tem um número limitado de fatias, em todos os sentidos. É fácil perceber que, sempre que estes interesses e as correlações de forças entre os grupos não se alinham, alguém fica com uma parte do bolo maior que a dos outros. A posição inteligente para todos, seria repartir o bolo , mas há sempre alguém que quer o bolo todo só para si e alguém que fica sem ele.
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Um dos preceitos básicos da Economia Política diz que as necessidades são ilimitadas e os recursos são limitados, o que reflecte, mais uma vez, esta ideia do bolo, e, quanto menos resta do bolo, mais se manifestam os interesses pessoais daqueles que se arriscam a ficar sem ele. Se esses chegam a conseguir idealizar a intersecção dos seus interesses, pode ser que ainda concorram a uma fatia. Mantendo-se isolados, seguramente, alguém comerá o bolo por eles.
A Europa acabou de perceber que ficou sem bolo outra vez. Ao longo das últimas onze ou doze décadas, isto aconteceu duas vezes: no fim da primeira Grande Guerra, que fez desabar o poder imperial dos países europeus, em especial, o Britânico; e no fim da segunda Guerra Mundial, que acabou com o resto, destruiu completamente a estrutura industrial europeia e abriu caminho para o fim do padrão ouro e da entrada em vigor da moeda de confiança em que, durante os últimos três quartos de Século, o Dólar Americano se transformou. A última moeda de quarto de dólar, para circulação, que ainda continha prata foi cunhada com a efígie do Presidente Kennedy. O dólar é, neste momento, uma moeda artificial, sustentada apenas por uma ilusão que deriva, principalmente, da ideia da supremacia militar Americana.
A dívida externa dos Estados Unidos da América já se situa em cerca de dez por cento do produto mundial anual e é cerca de cinco vezes maior que o produto interno bruto americano. A dívida externa americana é impagável e o déficit das contas do seu governo é incontrolável. De permeio, introduzem-se os interesses pessoais e grupais daqueles que mais têm a perder: os oligarcas russos e americanos. Aparentemente, estes, terão concluído que os seus interesses se alinham. Em outros campos estão: a China, que continua a caminhar saudavelmente para o topo desta sua curva de Bell; a Índia e o Brasil a caminhar para ser, um, o maior mercado do mundo, o outro, o maior produtor agrícola; a África, que continua desorganizada e a ficar apenas com as migalhas do seu próprio bolo; e a Europa. A Austrália assiste, de longe, a tudo isto, com a tranquilidade apropriada a um povo que vive nos antípodas do seu Soberano e não lhe deve nada. Deixei de fora, intencionalmente, o México e o Canadá, que desses, trato noutro dia.
Os países europeus, da segunda vez que ficaram sem bolo, perceberam que é melhor partilhá-lo que ficarem sem ele e criaram a União Europeia, com base numa ideia, primeiro, da integração das indústrias do Carvão e do Aço do núcleo central da Europa, que evoluiu, imperceptivelmente, em contraste com a tentativa de domínio cultural do império económico americano. Depois, para a realização de que nós, Europeus, temos uma história, valores, ideias e morais comuns e que se distinguem claramente das que se desenvolveram nos Estados Unidos da América, e daí, surgiu, também devido aos interesses comuns do grupo, a entidade Política que é hoje a União Europeia. Esta, desde a sua criação, sem o parecer, como todas as coisas em política, iniciou a consolidação de um caminho de divergência com os Estados Unidos, se não a nível militar, porque nós somos da paz e temos suportado estoicamente a continuação da NATO desde a queda do muro de Berlim, a quase todos os outros níveis da acção dos estados, porque a concepção do Humanismo Europeu não é compatível com a implementação do Personalismo Americano.
A entrada em cena do mais megalómano, egocêntrico e débil mental de todos os Presidentes Americanos, no meio da crise existencial, para a Europa democrática, que é a Guerra na Ucrânia, fez subir a temperatura de uma reacção química delicada e a falta de verve do Presidente Ucraniano, quando colocado perante um cenário de teatro mediático que devia ter antecipado, fez precipitar a reacção. Os líderes europeus, que pensavam poder contar com algum tempo para domesticar a besta selvagem que domina o outro lado do Atlântico, deixaram de o ter. O que aconteceu na passada quinta -feira foi, nem mais, nem menos que o peido mestre da ordem mundial que se vivia. E agora, chegou a hora de os líderes europeus agradecerem ao General De Gaulle por ter mantido a França, saudavelmente, aliada à Nato, mas fora da sua estrutura de comando, porque vai ter que ser a partir daí que vão ser obrigados a construir a nova estrutura de defesa comum europeia.
Não penso que qualquer dos líderes europeus que contam, ainda acredite que as coisas poderão voltar a ser como eram, até porque nunca foram como pareceram. Os Estados Unidos, apenas em raras ocasiões, ao longo do último Século se manifestou como um verdadeiro amigo para a Europa. Apesar das aparências, o que os decisores políticos de Washington sempre fizeram foi afirmar, de forma cada vez mais assertiva, os seus próprios interesses. Sempre que houve um Presidente com uma visão que entrou em conflito com isso, mandaram-no calar, ou matar, porque os Estados Unidos da América são do personalismo liberal desenfreado e violento a caminho do anarco-capitalismo, não são um espaço de Liberté, Egalité, Fraternité, como os seus fundadores sonharam. Durante os últimos três quartos de Século, os caminhos dos Norte-Americanos e dos Europeus têm-se afastado radicalmente, nos campos da cultura e da acção política e social. Hoje, só não vê essa verdade quem andar distraído.
Perante o exposto, cabe agora, aos líderes europeus, mexer-se depressa no sentido de produzir a confluência entre a necessidade que a Europa tem de ser independente dos Estados Unidos da América, em todos os sentidos, e as acções políticas necessárias para isso. Vão ter que acelerar a política comum de Defesa, o investimento Tecnológico e Industrial, a integração económica com o Canadá e o Brasil e, provavelmente, assumir a necessidade de mudar a postura em relação à outra margem do Mediterrâneo. Porque a Europa se encontra no meio de uma crise existencial, o entendimento de que a fusão cultural equilibrada faz parte do caminho que a Europa tem que trilhar é essencial para garantir o futuro deste espaço único do humanismo libertário. Nós somos da paz, mas temos que a poder garantir por nós próprios. Não podemos estar sempre à espera dos outros para nos defendermos e garantir a nossa segurança.
É disto que a próxima cimeira de líderes Europeus tem que tratar. Desejo-lhes boa sorte.
por Pedro Estadão
@hefestus 02.03.2025
N.B.: Este autor não utiliza a grafia do Acordo Ortográfico, que considera francamente bizarra e de origem mentecapta.
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