5# Crônica Social Foda

in pt •  6 years ago  (edited)

**Não me veja por favor **

Uma overdose no meio da madrugada silenciosa ceifou a vida de sua mãe, e aos 2 anos foi obrigada a morar com o tio. Quando tinha 10 anos foi a vez de seu tio partir de forma definitiva, vitimado por uma doença fulminante. Mais uma vez a solidão mandatória amordaçava o seu direito de ser feliz.

Felizmente tinha várias irmãs, que a essa altura já eram adultas e imediatamente lhe ofereceram abrigo. Porém a puberdade logo chegou e lhe trouxe uma beleza escandalosa. O que teria sido um presente não fosse o fato de suas irmãs temerem sua presença estonteante dentro de suas casas, assim tão perto de seus maridos animalescos e mal escolhidos. Pensando bem, felizmente não foi obrigada a conviver com gente desse tipo. Foi escorraçada de cada casa antes que pudesse entender o porque de não ser bem-vinda.

Foi acolhida em uma casa-lar. Livre dos olhares cobiçadores. Presa num círculo de auto-depreciação.

Até que esbarrou em um olhar de doçura e admiração. E pela primeira vez depois de tanto tempo sorriu. Outra adolescente acolhida acolheu seus medos e expulsou sua solidão.

two_girls_by_polikarpd650zjo.jpg
(https://www.deviantart.com/polikarp/art/Two-girls-371241204)

Por muito tempo foram tão felizes juntas: estudaram, trabalharam, lutaram e sonharam. A beleza florescia vibrante em seus corpos e almas.

Mas na sua vida a solidão parecia majoritária além de mandatória, e logo os dias ruins se multiplicaram. Sua companheira foi presa traficando, escorraçando a alegria e toda a beleza dos seus dias. Raspou o cabelo, engordou, escondeu o corpo por debaixo de roupas largas e disformes. Afinal, para que servia ser linda se a beleza só atraia os tarados, asquerosos, interesseiros e perversos, e prolongava os dias difíceis?

Preferia ser invisível, quem sabe assim a má sorte passava reto e ela sobreviveria até o dia que seu amor pudesse voltar? Bela não estaria, mas viva quem sabe.

Esse post é de uma série de crônicas que decidi escrever, baseadas em fatos da vida real, os quais foram extraídos do meu cotidiano com famílias em situação de vulnerabilidade social e violações de direitos.

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Forte e ao mesmo tempo tão familiar. Parabéns.

Bela crônica. Acredito que retrata a vida de muitas mulheres brasileiras que não tiveram a felicidade de ter uma vida que elas realmente mereciam, com felicidade, paz e amor. Parabéns pela postagem.