Álcool e drogas nas classes desfavorecidas

in pt •  6 years ago  (edited)

Acostumamos a desviar os olhos e rotular os adictos que perambulam por aí de vagabundos, mente-fraca, zé droguinha, crackudo, pé-inchado, entre vários outros vulgos que denigrem sua identidade e sua história. Ficamos incomodados quando essas pessoas invadem nossos espaços - mesmo que públicos - trazendo consigo um cheiro forte e a aura pesada. Quando atravessam nosso caminho de forma inconveniente e até animalesca, nos forçando a nos retirarmos para não sermos incomodados.

Acostumamos a não mais olharmos em seus rostos. A não nos importarmos se estão passando bem. Se estão precisando de alguma coisa. Acostumamos a ignorar sua presença para que ela não seja mais um problema. Ignoramos o problema e o damos por resolvido.

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Acontece que esses problemas são pessoas, na maioria das vezes com filhos, irmãos, cônjuges, pais, entre outros entes que lhes querem bem. Pessoas que são acostumadas a olhar em seus olhos, a gostar da sua presença e a confirmar sua identidade e história com o devido respeito. Essas pessoas carregam diariamente o peso de um problema mal resolvido, que é ver o definhar de um ente amado, entregue ao vício e à compulsão. É quase como ser obrigado a ver o enterro de alguém vivo. Alguém a quem se ama. Alguém com quem se tem uma história muito significativa.

Por motivos que vou tentar explicar num outro post, o SUS não oferece mais leitos de internação para esses casos, podendo o adicto recorrer ao CAPS AD (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas). No CAPS AD é realizada uma triagem e o usuário passa a participar das atividades oferecidas no local. Uma equipe multiprofissional oferta cuidados em várias especialidades, os quais são agendados com antecedência, podendo ser individuais ou em grupo. Tudo "gratuito".

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Ninguém pode ser obrigado a frequentar um CAPS. O CAPS não tem leitos de internação. O CAPS AD trabalha com a redução de danos. Essas três afirmações levam grande parte da população a desacreditar na efetividade deste tipo de tratamento. Uma parcela inclusive acredita piamente que a internação compulsória é a unica forma efetiva de resolução do problema.

Acontece que as pessoas quando não querem ser tratadas, pulam os muros das clínicas. Precisaríamos de clinicas-presídio por todo o país. Acontece ainda que, mesmo que consigamos convencer um usuário a aderir a uma internação, assim que recebe alta, ele volta para o mesmo contexto que culminou na sua adicção. Diferente de pessoas com boas condições financeiras, que podem tentar resetar sua vida e se inserir em novas situações, muito diferentes daquelas onde adoeceram, cabe ao pobre a imobilidade de permanecer no mesmo lugar onde se deu a sua derrocada. E assim, mesmo após meses de internação, em uma semana de volta à sua antiga vida, a recaída é a realidade de muitos.

A redução de danos trata exatamente dessas pessoas: das que já tentaram de tudo e voltaram à estaca zero incontáveis vezes. E que são quase todos os viciados dos grandes centros urbanos. Para elas a internação nunca funcionou, então são tratadas dentro do seu ambiente cotidiano, sendo levadas a pensar e refletir nas melhores formas de sobreviver à sua realidade. Numa realidade onde na maioria das vezes não há muita gratificação além do torpor e da fuga, falar em abstinência faz muito menos sentido do que falar em redução.

Reduzir danos é sobre tomar consciência de que a sua realidade não vai acordar diferente do dia para noite, e tampouco você mesmo. É sobre admitir que seus problemas não vão desaparecer, pelo contrário, eles te perseguirão dias após dia. É tomar consciência de que todas as tentações do mundo te visitarão em um único dia e se você não conseguir resistir à algumas delas está tudo bem, você não é pior do que ninguém por isso. É sobre poder acordar mais um dia e saber que não foi sorte, mas vontade. É sobre poder conviver e comemorar com a família e os amigos, pois mesmo que a vida não seja perfeita, mesmo que nós não consigamos ter as atitudes perfeitas, que mesmo assim os sorrisos dados e recebidos sempre serão o melhor alívio para tudo.

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Reduzir danos é ampliar a melhora.


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O Imaginário Virtual vem aqui ajudar a recompensar com o @steeveapp conteúdos de qualidade como esse. Obrigado por ajudar a construir o mito do conhecimento na internet.

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Muito obrigada!

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Acredito que a maior dificuldade para completar essas atividades seja o emprego fixo. Conseguir uma fonta de renda numa situação dessas. Imagino que o herdado infortúnio financeiro, tão deprimente, coloque essas pessoas de volta ao caminho do vício.

Você tem toda a razão. Infelizmente é um dos maiores fatores de risco.

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  ·  6 years ago (edited)

É a cultura de resultados rápidos e vida agitada nos faz esquecer de nós mesmo e dos outros a nosso volta. É preciso desacelerar e cuidar dos nossos. Esse tema (alcool e drogas)ainda é um tabu, com extremos para os dois lados, ou se é totalmente liberal ou você é careta conservador, a galera não esta disposta a discutir de forma madura as complicações disso, qual a melhor forma de lidar com tais complicações. Ótimo post! Estou aberto para aprender e discutir mais sobre o assunto.

Oi Matheus, você falou uma coisa que é verdade... as pessoas vão nos extremos da coisas e criam pensamentos muito simplistas sobre o assunto né. Mas é tão mais complexo... Vi que você tem um trabalho legal na sua comunidade local, então deve ter bastante contato com essa realidade. Vamos conversando sim, também me coloco à disposição! Abraços!

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Parabéns pelo post! Conseguimos recompensa-lo pelo @steeveapp, e também o trouxe na curadoria de saúde que estamos retornando pelo @brazilians! Obrigado por compartilhar conosco!

Obrigada pelo apoio!

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