Como parecer um filósofo genial sem se esforçar muito, Elan Marinho | AUDIOTEXTO | VOZ HUMANA

in pt •  6 years ago 

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Para ouvir o audiotexto, basta clicar no vídeo abaixo. Você pode acompanhá-lo, também, lendo o texto original logo a seguir.

Texto completo abaixo:

Um ensaio por Elan Marinho (graduação em filosofia PUC-Rio)

Como parecer um filósofo genial sem se esforçar muito

Quer ser um gênio? Estude muito. Quer parecer um gênio? Faça um texto ambíguo. Não qualquer texto ambíguo. Precisa possuir uma técnica específica de ambiguidade. Não se preocupe, não é uma técnica difícil. Ela é bastante intuitiva na verdade. Creio que qualquer um, mesmo no alto de sua mediocridade, conseguirá executá-la de modo a parecer um filósofo genial sem se esforçar muito.

Primeiro, escreva frases aleatórias cheias de conceitos ambíguos. Esses conceitos têm que seguir um padrão específico, aparecendo sempre perto de outros conceitos ambíguos ou relacionados sempre a certas imagens ambíguas que você descreverá sem muitos detalhes. Não é necessário que nada do que você diga queira significar alguma coisa de fato, mas se você tem alguma ideia muito vaga que pensou um dia enquanto encostava a cabeça na janela do ônibus, a utilize. Tem que ser abstrato, mas não muito. A sensibilidade estética aqui é essencial. Tomemos um exemplo:

O todo é um uno indiscutível.

Inventei agora essa frase. Nem sei o que significa. Mas poderia relacioná-la a outra como:

O universo é calado, mas grita ao uno que se expanda.

Essa segunda frase também escrevi sem intenção de querer dizer alguma coisa. Só quis relacionar à anterior. É importante essa relação de uma frase com outra, mesmo que essa relação seja construída dessa forma tão superficial e súbita. Poderia utilizar outros conceitos como “Deus”, “infinito”, “amor”, “devir”, “morte”. Também são bem-vindos estrangeirismos e neologismos aqui. Só não abuse. Importante é que os conceitos sejam utilizados de maneira estranha e pouco clara, mas estratégica.

Um intérprete relacionaria o “todo” ao “universo”, e o “indiscutível” ao “calado” e à “grita”. O “uno” se repete nas duas frases. Poderia ser, então, visto como um elemento relevante, já que fiz questão de fixá-lo. Essa interpretação que relaciona um conceito ao outro criaria uma espécie de ressonância conceitual, como se um conceito ressoasse ao outro, como se os termos estivessem presos por um elo invisível que o autor estabeleceu intencionalmente.

Diante disso, ainda poderíamos nos questionar: O que seria a expansão do uno? E o grito do universo? Por que escolher “se expanda” em vez de “seja expandido”? Essas questões todas poderiam ser resolvidas por um intérprete se baseando em análise etimológica dos conceitos. Não se preocupe. Se estiver sem saída, o intérprete recorrerá a isso mesmo que não hajam quaisquer evidências de que o autor possuía um conhecimento significativo de etimologia.

Além disso, o fato das frases serem contidas geraria uma impressão de densidade. É como se, ao escrever, eu tivesse a intenção de enfiar um monte de significados em poucos termos — que, supostamente, escolhi com extremo cuidado. Importante é que o intérprete intua a existência de um processo de densificação de significados. Tudo isso pode fazê-lo gerar um sistema de ideias gigantesco para mim, como se eu de fato tivesse a intenção de comunicar tudo aquilo que ele interpretou de duas linhas que escrevi. Aliás, escrever pouco e despreocupado é o que eu quis dizer com o “sem se esforçar muito” do título.

Um intérprete indeciso sobre as diversas interpretações possíveis de um mesmo texto pode ter uma “generosidade hermenêutica”, que é conviver com as múltiplas e inúmeras interpretações. Isso tornará o autor ainda mais genial, já que esse viés interpretativo implica que quem escreveu teve a intenção (quiçá, em seu trecho ambíguo de 5 ou 6 palavras) de expressar todos os significados imagináveis descritos (ou será “prescritos”?) pelos intérpretes.

Meu fragmento, para o intérprete filólogo e hermeneuta, pareceria uma obscura vastidão de um idioma próprio e original. Para mim, pareceria nada. Na linguagem embusteira do “pseudo-gênio”, os conceitos são vazios como uma caverna. Ao adentrar e perguntar se há alguém, muitos ecos retornam aos nossos ouvidos. Na caverna do embusteiro, o intérprete fala consigo mesmo. Como ele descreve isso? “A filosofia desse autor é composta de múltiplas vozes!”.

Se os intérpretes ainda tiverem que traduzir o texto para a língua deles e considerar uma distância histórica de, digamos, 5 mil anos em relação a mim, então minha (pseudo-)genialidade parecerá reluzir mais que o Sol. Mal saberiam os intérpretes que eles é que são geniais. Como agricultores, transformam esterco em matéria fértil para a criação das mais maravilhosas delícias.

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hahahahahaahahhahaa bem legal