O Boto do Sudeste

in pt •  6 years ago  (edited)

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Ele estava ali à beira do poço quando viu uma libélula que voava sobre a superfície da água tocando-a de tempos em tempos como sempre fazem as libélulas.

Ele, então, tirou o seu chapéu e o atirou, conseguindo fazê-lo cair bem em cima da libélula quando ela ia tocar a água.

Depois, caminhou até o chapéu, com água até os joelhos, e ficou ouvindo o desespero do inseto preso dentro do chapéu que afundava lentamente.

Ficou ouvindo o som da criatura colidindo contra o chapéu e de suas asas freneticamente batendo. Ficou ouvindo o desespero dela enquanto restava cada vez menos espaço entre ela e a água. Enquanto o ar esvaía-se pelos orifício do chapéu.

Ele esperou até não ouvir mais nada. Então, quando pegou o chapéu para ver o resultado de sua ação, não havia nenhuma libélula ali. Nem dentro do chapéu, nem na água, nem no fundo do poço de águas límpidas.

Ficou intrigado por algum momento. Mas logo pensou que algum peixe devia ter vindo e comido o inseto.

Ao sair da água e começar a caminhar em terra, ele voltou a pôr o chapéu. Foi quando ouviu sob ele aquele som do voo desesperado libélula. Ouviu aquele bater de asas e o som dos choques dentro do chapéu.

Então, tirou rapidamente o chapéu e deu uma olhada, mas não viu nada.

Olhou intrigado ao redor e para o céu, mas também não viu nada voando.

Aguardou um pouco, se convenceu que aquilo não tinha sido nada, colocou o chapéu novamente, e começou a caminhar.

Mas aconteceu de novo. E dessa vez aquele som veio forte. Quase assustador. Parecia dentro de sua cabeça aquele bater desesperado de asas e corpo contra o chapéu.

Ele, assustado, tirou o chapéu novamente. Olhou dentro dele, chegou a dar tapas na cabeça calva, como se tentasse espantar algum bicho que pousara nela. Mas não havia nada.

Aquela coisa acabou se repetindo sempre que punha o chapéu. E era cada vez pior. Chegou a ter a sensação que a libélula entrava na sua cabeça.

Foi assim que, a partir daquele dia, ele parou de usar chapéu. Ele, que tinha a pele bem clara e era calvo, chegou a um ponto em que não punha mais nada na cabeça. Qualquer coisa que colocava na cabeça o fazia começar a ouvir aquele terrível barulho na cabeça.

Porém, tomando sol todos os dias, a sua cabeça começou a ficar manchada, e com o tempo uma mancha circular no topo dela começou a se destacar. No início era uma mancha preta e lisa, mas depois a pele começou a ficar enrugada e estranha, até que a mancha ficou parecida com um grande furo no meio do topo da cabeça.

Sem a aba para protegê-la, a pele branca da face começou a ficar rosada e muito sensível ao sol, além de facilmente se ressecar. Com o tempo, estranhamente, isso se estendeu por todo corpo e ele passou a ter que ficar sempre se molhando numa banheira que construíra na sua casa. Casa onde ele passou a viver isolado, evitando todo tipo de contato com pessoas e com o sol.

Depois de algum tempo, ele passou a sair somente nas noites de lua cheia, pois a luz da lua não lhe fazia mal e lhe permitia se guiar no campo. E nessas noites, descobriu que podia colocar o chapéu. Algo na luz da lua cheia devia alterar o espírito da libélula. Viu, também, que sob a luz noturna, a sua pele rosada aparentava um tom moreno incomum. Sentiu até que estava bem para ir até o centro da cidade.

Assim, nas noites de lua cheia, ele saía com o chapéu escondendo o que parecia um furo na sua cabeça. Ele aparecia nos eventos. Ele era sedutor e tinha pele misteriosamente morena.

Para ele, aqueles eventos se tornavam como um espelho d’água, onde as meninas eram as libélulas, e as almas delas, o seu chapéu.

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