Um Dia de Cão

in pt •  7 years ago  (edited)

O dono não está, e o cachorro o dia inteiro, vai para ali, vai pra lá. Late com algo que se move ali, uiva com algo lá. Cheira ali, cheira cá. Deita e dorme. Acorda. Olha o horizonte. Olhos tristes. Expressão quase como a de um atormentado. Não há o que fazer. Penso: até os cães sofrem. Que mundo é esse? O dia inteiro. Vai ali. Vai pra lá. Late com um barulho ali. Late com outro lá. Deita e dorme. Acorda. Olha ali. Cochila. Acorda de novo. Anda para lá. Anda para cá. Até que o dono chega. Então balança o rabo pra lá e pra cá. Pra lá e pra cá.

Reflexões
Muitos veem cães e passarinhos apenas como brinquedinhos para preencher variados caprichos humanos. Mas, eu desconfio que, se os cães pudessem falar, e se não vissem os donos como os chefes da matilha, ao chegar em casa o que os humanos ouviriam seria: “Seu ******, como é que você sai e me deixa o dia inteiro confinado neste dilacerante tédio?!”.

Mas, talvez, eu esteja colocando emoções e sentimentos humanos na cabeça desses bichos. Talvez, para eles tédio e solidão não sejam tão dilacerantes assim. Pode ser que na cabeça deles tudo seja diferente. Talvez sofram menos.

Sei que eu me sinto mal até de ver um passarinho na gaiola. Sempre que vejo isso, lembro que ele possui um metabolismo aceleradíssimo, o que significa que o tempo para ele passa como se em câmera lenta (o que é rápido para nós para ele é muito lento). Ele é um ser evoluído para viver num mundo agitado (viver uma vida na rapidez de quem é pequeno, leve e pode voar), uma vida num mundo de disputa feroz e de velozes predadores. Por isso acho que no pequeno cérebro do passarinho preso numa gaiola devem existir dilacerante tédio e esmagador estresse em intensidades inimagináveis.

Mas, pode ser que não. Pode ser que acostumem com a vida na gaiola. E, no caso de serem bem cuidados, até sejam felizes numa vida de encher a barriga e cantar. Pouco provável, mas pode ser.

Outra coisa que me lembro agora é que – sem essa mania de capturar, amansar, domesticar, aprisionar e gostar de bichos – jamais teríamos tido “proteína e energia” suficientes para a evolução de grandes cérebros; nem teríamos tido cobaias para entendermos nossos corpos e nos curar de terríveis males.

Enfim, tudo é muito complexo. Parece não existir um ato que seja essencialmente mau ou bom. Não existem verdades absolutas. Mas, acredito que é sempre bom ter empatia com todas as criaturas vivas. Penso que este texto mostra que não se perde a racionalidade e o bom senso cultivando isso. Desconfio ainda que uma grande riqueza e complexidade emergem nas mentes que cultivam tal empatia.

Mas há limites. Em alguns casos, temos que nos restringir à admiração. No caso das baratas, por exemplo, não dá para ter empatia. Porém, mesmo tendo que esmagá-las, ainda é possível ter alguma admiração por essas “máquinas genéticas asquerosas de sobrevivência”, mas estou divagando…

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Não tenho minguam admiração pela barata, Ahahaha, uma pena, já que também é uma criação divina.
Os cachorros tem inteligências e sentimentos. Eles não olham como se nós fossememos deuses, têm uma admiração profunda pelos seus donos. Acreditam que tenham um espírito não tão evoluído quanto os nossos, mas estão bem perto.
Os pássaros, sinto pena. Eles nasceram para serem levees e voar. Tenho dó quando vejo um em uma gaiola.

Ótimos text! Perfeita reflexão!

No caso das baratas, imagino que - se pudéssemos ter um profundo conhecimento de entomologia, que nos permitisse contemplar em detalhe todas as habilidades, estratégias de sobrevivência e bioquimica - talvez, no mínimo, aceitaríamos melhor o fato delas terem de existir. O que já seria uma incipiente admiração.

Não faço idea o que seja entomologia, mas a única coisa que me interessa em respeito às baratas é como mantê-las longe de mim.