Credit: Fox Searchlight /edited by Kubrickamente
Um dos motivos que nos fazem abandonar o vale dos lençóis e colorir o preto e branco de cada dia é a expetativa de encontrar a cara-metade, resultado único da soma perfeita atribuída a astros conspiratórios, fruto duma matemática sem lógica. Nestas leis do coração, existe a parcela mais dada ao lado racional, que calcula milimetricamente todos os ângulos e medidas de um projeto de relacionamento em potência, quase a tender para as paixões platónicas, e aqueloutra, mais virada para a vertente emocional, que, defensora do amor próprio, vive tudo intensa, mas também artificialmente - na atitude tão proclamada na sociedade atual do “tudo e já” -, como uma chama que se esfuma rápido, quer pelo pavio curto, quer pelo fogo rápido que a consome. Fazendo lembrar a divisão anatómica entre os hemisférios direito e esquerdo do cérebro, claro que, entre as normas misóginas de outrora, o primeiro papel caberia ao género feminino, mais reflexivo, ao passo que o segundo ficaria para o masculino, reconhecido como o bon vivant. Todavia, com as transmutações reivindicadas dos tempos modernos, essas diferenças foram-se esbatendo até a inversão não causar tanta celeuma, como é exemplificado pela relação de Summer (Zooey Deschanel) e Tom (Joseph Gordon-Levitt), iniciada num atelier de artistas de postais onde ambos trabalham. Na verdade, em tempos idos, fundou-se um grande nicho de mercado com os cartões que continham as frases difíceis de proferir, transformados em autênticos best-sellers das datas consumistas, como o Dia de São Valentim. Dentro desses bocados de papel, jazem todos os esforços momentâneos para conquistar o Romeu ou a Julieta, qual seta do cupido. Para tal, estes eram preenchidos por elementos característicos do fogo ardente da paixão e do sangue que alimenta o coração, com a cor comum a ambos, o vermelho. Não é estranho, então, notar a parca presença dessa cor ao longo de um filme sobre romance? De facto, na indumentária de Summer, assim como em alguns dos cenários, predomina o azul, uma cor fria, cientificamente contrária à cor da paixão, associada a estádios de harmonia e serenidade, nada definidores da aparente exuberância da personagem. Exemplo-mor do uso dessa paleta é uma cena musical na qual Tom canta a felicidade pela conquista há muita esperada, auxiliado por um conjunto de figurantes, também eles repletos de azul. Numa primeira análise, pode pensar-se que essa cena é uma representação do sétimo céu alcançado, quando, na realidade, não passa de uma premonição escondida – talvez Summer não esteja assim tão apaixonada por ele. Como experiente desenhador, ele bem tenta deixar a sua marca nesta, porém, a tinta da caneta não tem o poder de tatuagem perpétua. O amor é, assim, artisticamente apresentado como a litografia de uma paisagem cujas cores e folhagem mudam à medida que o tempo passa, funcionando, muitas vezes, a caracterização esmaecida das duas personagens principais e dos cenários envolventes como um sintoma do lado problemático da sua relação.