Hipermodernidades 6 - O polvo que esmaga a civilização

in pt •  7 years ago 

A ética esfumou-se do espaço social e económico e o seu contrário, corruptor, é imposto do exterior com um falso argumentário do novo-riquismo que veicula a sua desinformação através dos media.

É natural que radicalismos nacionalistas estruturados nos conceitos mais retrógrados e conservadores de família e nas, sempre perversas, Igrejas e confissões religiosas tentem recuperar o território que perderam pela aplicação das suas lógicas do efémero. Este movimento paradoxal de destruição do bem-estar colectivo para a recuperação de um espaço privado contra a propriedade pública é o reflexo de uma estratégia implementada de fora para dentro para uma desnacionalização da memória e da cultura e de todo um povo para que os braços do polvo, cuja cabeça é formada pelos caciques da União Europeia, suguem tudo à sua passagem em nome de um sinistro pacto de estabilidade.

Os media controlados pelo poder político, que por sua vez está subjugado ao perverso poder financeiro, têm como missão normalizar o medo e a cobardia junto dos cidadãos para que o processo de desestruturação da prática democrática da cidadania seja efectiva e irreversível.

Os media da hipermodernidade, através da criação das suas imagens excessivas e violentas, impõem comportamentos, isolando quem resiste e promovendo os seus títeres sem voz própria desapossados de alma e dignidade.

Se, por um lado, o aparente objectivo é a estandardização dos comportamentos, por outro, é a morte da crítica o que mais interessa aos «capones» que hoje controlam as políticas ocidentais onde sobressai o caciquismo das instituições europeias. Está institucionalizado um regime criminoso cuja vítima preferencial é a cidadania. Ao inscrever-se no registo do espectacular, da moda feérica, os media valorizam a propaganda do luxo, do divertimento vazio, contra a implementação do conhecimento e do saber cujos valores representam o seu principal inimigo.

A megadiversidade da informação quer induzir ao indivíduo que ele tem acesso a uma liberdade de escolha nunca vista, a uma autonomia libertadora que se reflecte na ilusão de se ter uma opinião própria. Nada mais falacioso. Essa megadiversidade é constituída por elementos de formatação estanque do indivíduo, levando-o a escolhas sem opção, criando à superfície da consciência o paradoxo de quem pensa que está a escolher o que na realidade lhe está a ser imposto.

O debate deixa de ser democrático porque a crítica é silenciada através da sua morte prematura. Os media só dão acesso às vozes do dono.

E da uniformização dos comportamentos, que representa a primeira fase do ataque à cidadania, passa-se à uniformização das convicções plasmadas em falsas opiniões que dão a entender que há liberdade de pensamento quando na verdade o que há é o seu estrangulamento. O que é uma fraude.

A hipermodernidade está a conduzir-nos a um niilismo totalitário. Quando se exacerba o individualismo está a capturar-se o indivíduo solidário, ou seja, a conduzir a humanidade para um beco sem saída.

Os media desinformam e censuram a partir da manipulação das imagens que levam à manipulação dos comentadores ao serviços dos seus patrões e amos.

Do admirável mundo novo ao repugnante mundo da «novidade» excessiva, há toda uma estratégia de aniquilação do poder cítico face à realidade hipermoderna.

Desvaloriza-se a inteligência e promove-se a estupidificação de massas com a normalização e internacionalização de programas abjectos para o consumo de massas que, sendo assim domesticadas, deixam de ter poder de reacção, acabando por morrer com a ideia de que foram autónomas e felizes. Nada mais perigoso para a humanidade.

Reconquistar a autonomia consciente de si é o primeiro passo para que a cidadania se liberte do polvo gigantesco que, com os seus braços repelentes, está a esmagar a civilização humanista.

Luís Filipe Sarmento, Gabinete de Curiosidades, 2017. Edição brasileira, Landmark, São Paulo, novembro 2017.
Edição Portuguesa, Poética, Lisboa, Abril 2017

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Foto: José Lorvão

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Que ótimo artigo. Demorei para ler um assim aqui, e me da esperança que o steemit pode ter um proposito muito maior. Assim como outras plataformas de reunião de dados e interação. De certa forma, no conhecimento que estudo, a psicanálise, que é por si só um estudo do auto conhecimento, excluindo todos os objetos, e avaliando como interagirmos e como o mundo repercute sobre a gente. E quando você remete em conquistar a autonomia, me remeteu muito um tema que discuto bastante com meus professores, que vem a ser a economia psíquica, que por incrível foi muito bem descrita nesse artigo que você fez. Venho nesses últimos meses tentando, na minha área, que também é invadida pela domesticação das massas, buscando alternativas dentro da tecnologia para que talvez, nessa nova linguagem que se insere em nosso meio, e que também é responsável entre muitos fatores por essa economia. Tenho projeto de aplicativos, e plataformas, ainda no campo das ideias, e com grande receio de não caminhar para uma economia maior, mas esperançoso que com novas ferramentas, onde somos cada vez mais inseridos, no trabalho do imaginário com o virtual, para elaboração da nossa linguagem, e não sermos tão reféns da linguagem dos outros. De qualquer forma, foi um prazer ter lido esse artigo, estarei acompanhando suas postagens.

Muito obrigado @matheusggr pelas suas palavras. Este texto está inserido na segunda parte do meu último livro, «Gabinete de Curiosidades» recentemente publicado no Brasil pela Editora Landmark de São Paulo. A edição portuguesa é de Abril deste ano. Já «postei» aqui os cinco primeiros textos que o convido a visitar. Vamo-nos seguindo. Um forte abraço e o meu profundo agradecimento.

Irei conhecer certamente, e o convido a trazer esses temas a público com esse víeis de estimular discussões respeitosas e trazendo conteúdos inteligentes, para estimularmos esse conteúdo em uma plataforma como steemit. Grande Abraço.

Irei certamente partilhar textos que promovam o bom debate. Um grande abraço e o meu agradecimento @matheusggr

  ·  7 years ago (edited)

Acredito que na sua analíse do meu ponto de vista como um libertário, um anarquista de livre mercado faltou uma certa discussão sobre o papel do estado nisso tudo. Na verdade as igrejas ou doutrinas religiosas tem um papel não tão influenciador como você menciona. A igreja perdeu o seu poder a muito tempo, algo que somente lemos nos livros sobre a idade média.

O problema, o câncer ou o "demônio" na verdade em nossa sociedade é o estado, o maior causador de conflitos da humanidade. Uma instituição sempre ilegitima em nossa sociedade que aprisiona, ameaça e mata tudo em busca dos seus próprios interesses sempre escusos.

A questão do coletivo é algo que ainda podemos discutir. Sou individualista, acredito que o individuo é a menor minoria da terra e por isso a ação coletiva nunca é benéfica em si quando vemos e sabemos que o coletivo nunca age pelo individuo. É aquela história do que é bom para você, pode não ser bom para mim. Mas podemos deixar essa discussão para depois.

Sobre os média...é complicado isso pois cada jornal é uma empresa e como tal ela deve refletir o pensamento do dono do mesmo, é o que no jornalismo é chamado de : "Linha editorial". Infelizmente, cada veiculo de comunicação tem a sua política, a sua visão e por isso dizemos sempre que os media são tendenciosos e etc...mas na verdade a opinião deles são o reflexo do pensamento do dono da empresa. Lutar contra isso é complicado. Nos basta somente escolher aquele jornal que esteja de acordo com nossas "crenças".

Confesso que estou admirado com sua escrita e pensamento aqui exposto amigo. Sempre estarei acompanhando.

Um grande abraço do Brasil!

Entendo, e não cabe a mim discordar de sua opinião. Existe um texto de um grande pensador Freud, que nos abre um pouco ao estudo da psicologia das massas. Na dinâmica humana tudo funciona ao mesmo tempo, estudos estão nos levando cada vez mais aos termos físicos para demonstrar isso, como atratores estranhos, garrafa de kleyn, ponto fixo. É complicado, mas quis pontuar para mostrar, que por mais que pareça o Estado o problema, na verdade é um problema humano, do tempo que estamos, da nossa cultura, e as vezes podemos dizer que não só um problema, é também um processo, um processo evolutivo. Então é um problema humano quando se institui o Estado, e o problema humano quando humanos em nome do Estado ainda não condizem com as expectativas, porem muitos humanos de todas as áreas estão acompanhando a evolução, e talvez com o tempo, e não no nosso tempo, teremos um melhor funcionamento da nossa dinâmica de funcionamento humano. Mas estamos evoluindo, por mais que não pareça as vezes, uma grosseira comparação é que no Brasil se abre uma Igreja a cada hora, por um lado mostra que não somos reféns de uma só versão da palavra, por outro que ainda somos reféns da palavra do outro. E cabe ainda muitas leituras. Sempre é bom discutir esses assuntos, nos ajuda a refletir, só de refletir já é um grande avanço. Abraços!

Caro amigo @jsantana, ou continuar com esta série que faz parte da segunda parte do meu último livro «Gabinete de Curiosidades», publicado em Portugal pela Poética Edições e no Brasil pela Editora Landmark, de São Paulo. Perceber-se-á melhor a minha argumentação com a publicação integral destes textos que são pequenos ensaios, panfletos e manifestos. Veja o exemplo do Brasil com as igrejas evangélicas. Quanto ao Estado, creio que está bem explícito no texto o seu papel destruidor, ainda que me foque na problemática da União Europeia. Mas no essencial estamos de acordo. Seguir-se-ão mais textos. Um forte abraço de profundo agradecimento pela sua ajuda na divulgação destes textos.

é tão estimulante provocar este tipo de discussões numa rede social sem cair no lugar-comum. Muito obrigado a todos.

Sim. Esse é um propósito fundamental. Me estimula também!

É bom trocar ideias

Good post, I am a photographer, it passes for my blog and sees my content, I hope that it should be of your taste :D greetings

I will certainly go. Thank you very much for your opinion.

Bom texto :)

muito obrigado @criptomaster, vou continuar com esta série que faz parte da segunda parte do meu último livro «Gabinete de Curiosidades», publicado em Portugal pela Poética Edições e no Brasil pela Editora Landmark, de São Paulo. Um abraço

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