Ver também: Altruísmo: uma perspectiva evolutiva (pt. 1)
4. Teorias que surgiram para explicar o comportamento altruísta
4.1. Teoria de selecção de grupo
Inicialmente, foi sugerida a Teoria de Selecção de Grupo, como forma de explicar a “sobrevivência” de comportamentos altruístas no reino animal. Esta implicaria que, em grupos ou populações da mesma espécie, compostos por um elevado número de indivíduos capazes de executar actos altruístas, veriam as suas hipóteses de sobrevivência aumentada em relação a grupos com indivíduos que se focassem mais nos seus próprios interesses. Como foi proposto por Wynne-Edwards, ao afirmar que os grupos que contêm maior número de altruístas teria maior probabilidade se sobreviver e a frequência dos seus genes iria aumentar.
Podemos assim concluir que seguindo a linha de pensamento da Teoria da Selecção de Grupo, a selecção natural favorecia a propagação de indivíduos altruístas, na medida em que beneficiaria o desempenho do grupo, e por acréscimo, da espécie. Surgem contudo, obstáculos a estas suposições, que levaram os biólogos evolutivos a descartar a mesma.
Verificaram que não existe variação genética suficiente nos grupos para que a selecção natural actue, o que por si mesmo anula qualquer sustentabilidade da teoria existir de acordo com a lei de Darwin. Seguidamente, surge a questão de que muito provavelmente, dentro de um grupo existiram sempre aqueles que não retribuam os actos altruístas, o que os colocaria numa posição vantajosa em relação aos restantes, o que se desenrolaria numa situação não sustentável do ponto de vista evolutivo.
Estes factores levaram ao abandono progressivo desta teoria como viável, e trouxeram o surgimento á teoria de selecção de parentesco.
4.2.Teoria de selecção de parentesco
O comportamento altruísta orientado em relação a parente (selecção de parentesco) ocorre quando um indivíduo direcciona um acto a um irmão ou a outro parente próximo. Este comportamento aumentará o êxito reprodutivo do indivíduo com o qual partilha muita da sua própria constituição genética. Um exemplo deste comportamento é verificado na espécie Apis melifera (abelha comum). Esta espécie é composta por uma rainha (ou indivíduos férteis) que focam a maioria da sua actividade na reprodução, enquanto as suas irmãs, as operárias, ocupam-se com os cuidados na construção da colmeia (do ninho), na recolha de alimentos, inclusive, da alimentação da própria rainha e da sua descendência, uma vez que estas são estéreis, não podendo deixar descendência, devido a uma feromona libertada pela rainha. Ao abdicarem de um aparelho reprodutivo, estas desenvolveram um ferrão, que utilizam como arma contra elementos que representem perigo para a colmeia, acto que as levará a morte. Estas abelhas operárias sacrificam-se, para beneficiar o sucesso da rainha. Este comportamento irá beneficiar a rainha (ou os adultos férteis) que consegue produzir mais indivíduos do que aqueles que são perdidos no processo de defesa.
William Donald Hamilton, um biólogo evolucionista, foi o autor desta teoria que prediz que, comportamentos altruístas serão favorecidos por selecção se os custos destes comportamentos forem menores do que os benefícios, descontados pelo coeficiente de parentesco entre actor e receptor. Segundo o mesmo a selecção poderá favorecer alelos altruístas se os animais interagirem selectivamente com os seus parentes genéticos! Assim desenvolveu uma regra que mede a relação genética entre indivíduos que interagem, ou seja, mede a probabilidade de dois indivíduos adquirirem o mesmo alelo por descendência de um ancestral comum. De acordo com a fórmula rb > c, os actos altruístas impõem um custo (c) ao dador na medida em que é gerado um beneficio (b) para quem recebe (refira-se que os custos e benefícios são sempre medidos em termos de sucesso reprodutivo). O coeficiente de parentesco é representado por “r”. Hamilton verificou que a probabilidade do coeficiente de parentesco diminui à medida que os parentes se tornam mais afastados. Assim, a probabilidade de um progenitor (pai ou mãe) e o seu descendente, compartilharem uma copia de um gene em particular é de 0,5. Entre irmãos o valor de “r” será de 0.5, entre avós, netos e meios-irmãos “r” será 0,25, entre dois primos o “r” representará o valor de 0,125 e entre indivíduos não relacionados o “r” valerá 0. Com o conhecimento do coeficiente de parentesco entre altruístas e os indivíduos que eles ajudam, pode-se determinar o destino de um raro alelo altruísta que compete com um comum alelo “egoísta”. Hamilton, através da selecção de parentesco, aplicou o conceito de aptidão inclusiva e aptidão ou indirecta. Este utilizou a ideia de aptidão inclusiva como uma forma de calcular as condições sob as quais um gene se poderia disseminar directamente nos descendentes vivos. Utilizou também a ideia de aptidão indirecta para medir o impacto da sua actividade nos outros indivíduos aparentados. Esta é uma medida de sucesso reprodutivo que não se centra exclusivamente nos descendentes directos, mas no circulo familiar mais amplo.
4.3.Cuidado Parental
É necessário referir também o cuidado parental. Este implica que ao utilizar tempo a transmitir conhecimentos ou características à sua descendência, perdendo assim esse tempo para investir em si, o progenitor ira beneficiar a sua descendência directa.
Contudo, é provável que este investimento seja mais tarde retribuído sob a forma da aptidão da cria, por exemplo com a partilha de alimentos, aquele que hoje partilha, poderá receber no futuro, e quanto mais apto estiver o outro individuo mais vai beneficiar. Sendo que o grau de cuidado parental varia consideravelmente de espécie para espécie. Depende do número de descendentes produzidos, o tipo de sistema de acasalamento implicado e da ajuda dada por partes dos filhos ou família as crias mais jovens, não cabendo só aos pais essa tarefa.
4.4.Teoria de cave (cuidado) e teoria «nunca romper as fileiras»
Richard Dawkins, no seu livro “O gene egoísta” (2003), avança com duas teorias: a teoria de “cave” e a teoria «nunca romper as fileiras».
A teoria de cave aplica-se a aves que se escondem camufladas e imóveis entre pequenos arbustos, quando há ameaça de perigo.
Imaginemos que um individuo do grupo que avistasse um falcão, por exemplo, poderia esconder-se imóvel entre os arbustos mas ainda assim os outros indivíduos continuariam com um comportamento conspícuo. Ao emitir um som de alarme, alerta os restantes indivíduos do grupo para a presença de um predador, fazendo assim com que se ocultem de forma a evitar chamar a atenção do predador.
A teoria «nunca romper as fileiras» aplica-se ao caso do pombo-torcaz (Columba palumbus). Esta espécie tem por hábito forragear no solo, em grupo. No caso de um dos pombos avistar um falcão, este alertará o bando para a presença de um predador, conseguido assim evadir-se juntamente com os restantes membros do grupo, reduzindo a probabilidade de ser atacado pelo falcão.
É necessário ter ainda em conta que os gritos de alarme são emitidos da forma mais discreta e inconspícua quanto possível, para o predador, de forma a que o individuo que emite o som de alarme não seja facilmente detectado pelo predador.
Como vemos, ambas as teorias exploram actos aparentemente, mas que acabam por ter consequências positivas para o individuo que leva a cabo estes mesmo actos.
4.5 Altruísmo recíproco
Por fim surge o altruísmo recíproco, introduzido por Trivers, que afirma que a reciprocidade está no altruísmo. Os benefícios da reciprocidade dependem da proporção desigual entre custos e benefícios do acto altruísta, ou seja, o benefício para quem recebe os actos altruístas é maior do que o custo para quem os pratica. Contudo, o altruísmo recíproco só consegue explicar um altruísmo mais diluído, menos frequente, no qual as perdas iniciais são relativamente pequenas. Observemos como exemplo a espécie de primatas Papio anubis. Nestes, quando uma fêmea entra no estro, há um macho pronto a iniciar relações com a mesma, perseguindo-a por todo o lado, até ter uma oportunidade para acasalar. Só assim consegue proteger a fêmea da atenção de outros machos. Frequentemente, se um macho rival pretende acesso a mesma fêmea, este solicita a ajuda de outro macho, formando uma coligação, de forma a derrubar o macho alfa. Enquanto o macho, a quem foi pedida ajuda, desafia o macho alfa para uma luta, o macho rival ganha acesso à fêmea.
5.Conclusão
Com estes posts (pt. 1 e pt. 2) foi possível concluir que, de forma a entender o fenómeno do altruísmo aquando da sua ocorrência no reino animal, foi necessária uma linha de raciocínio, que foi evoluindo de forma gradual e sequencial. Linha esta, que no caso foi orientada por mentes como Hamilton e Travis, ente outros, e que cresceu e desenvolveu-se com o passar do tempo.
Da teoria de selecção de Grupo, à Selecção de Parentesco, todas estas ideias tiveram contribuíram para o crescimento e melhoria da nossa definição de “altruísmo animal”. Definição esta, que apesar de complexa e intrínseca, favorece a conclusão de que talvez não existam realmente, actos fortuitos de altruísmo entre animais não humanos, de que a existência animal seja sempre dirigida para o beneficio do próprio e da espécie, segundo as linhas da teoria da Selecção Natural. E que talvez, tudo não passe de uma incessante necessidade do Homem, em atribuir características suas a tudo o que o rodeia, antropomorfizando assim determinados comportamentos animais, que podem ser tomados a primeira vista como actos altruístas. Mas que na realidade, poderão ser apenas mecanismos de sobrevivência.
Concluímos também, que tendo em vista a realização de um estudo válido, e se pretende-mos obter dados cientificamente correctos, temos de tentar contabilizar não só os aspectos inerentes às diversas situações e experiências, mas também perceber que actos dentro de relações, e comportamentos quotidianos, não podem ser analisados com a simplicidade de uma experiência laboratorial, pois muitos são os elementos e as variáveis intervenientes no decorrer dos acontecimentos que a integram e afectam. Contudo, a sobrevivência do altruísmo no mundo animal, deve-se provavelmente a uma conjunto de situações isoladas e variáveis, na qual os factores trabalham em conjunto para o beneficio da espécie e individuo.
Altruísmo: uma perspectiva evolutiva (pt. 1)
Bibliografia:
Boyd, R.; Silk, JB. 2006. How humans evolved. (4ª Edição). New York: W. W. Norton & Company, Inc.
Dawkins, R. 2003. O gene egoísta. (3ª Edição). Lisboa: Gradiva.
Gadagkar, R. 1993. Trends Ecol. Evol. 8
Interessante artigo e o anterior, é claro. Durante a leitura me veio a ideia de que aqui, no steemit tem algo assemelhado, o Steem Basic Income...
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Será que é Altruísmo "puro". No caso humano uma das teorias que explica o altruísmo do ponto de vista evolutivo são as "social tags". Marcadores sociais que nos assinalam como altruísta, trazendo benefícios para quem tem esse comportamento. É uma questão complexa a do altruísmo "puro"...
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Muito bom post. :)
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Muito obrigado! ;)
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