Elogio da Loucura - Clube do Livro

in pt •  6 years ago  (edited)

Boa noite!

Hoje para descansar a mente, e retornar a uma tag proposta pelo @gazetagaleguia, vou trazer minha interpretação e trechos de um livro que considero muito interessante e atual.


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Foto arquivo pessoal

O livro chama-se Elogio da Loucura, escrito por Erasmo de Rotterdam em 1509, que tem uma importante influência na civilização ocidental, onde suas idéias também serviram de inspiração à reforma protestante e outras transformações políticas da época.

Erasmo de Rotterdam foi um filósofo humanista holandês, crítico do ensino Escolástico, e da hipocrisia humana, em um época que o que marcava o final da Idade Média e início da era renascentista e Idade moderna, o que levaram a uma profunda mudança nos paradigmas políticos, econômicos, culturais e sociais.

Em Elogio a Loucura, Erasmo nos mostra o quanto a loucura está mais próximo de nós do que acreditamos, faz parte do mundo dos homens, seria a forma de ver o mundo mais suportável ?

Em uma crítica muito inteligente, a própria Loucura faz sua narrativa.

“Certamente, não dou a mínima importância àqueles sabichões que falam sem parar da insanidade e da impertinência dos que se louvam a si mesmos. Seja loucura quanto quiserem; terão de reconhecer a sua coerência. Pois o que há de mais coerente do que a Loucura que alardeia sua própria glória e canta seus próprios louvores? Quem melhor do que eu poderia descrever-me? A menos que alguém me conheça mais do que eu mesma.”

E não só narra, quer o devido reconhecimento.

”Ora, devo dizer que me admira a ingratidão dos mortais ou, como dizem, sua indiferença. Todos me cortejam e reconhecem de bom grado os meus favores, porém em muitos séculos, não apareceu ninguém que desse voz à gratidão com discurso de louvor a Loucura... “

E o reconhecimento não é o bastante, se ela esteve sempre presente, e se diz servidora dos homens, tem de haver mais que um reconhecimento.

”Agora, para que não pareça sem fundamento a minha pretensão ao título de deusa, preparai bem as orelhas e escutai quanta valia eu sou aos deuses e aos homens, até onde se estende o meu poder”.

E traz sua presença desde o politeísmo do olimpo, ao monoteísmo cristão. Nas relações humanas, os sentimentos, no saber, nos costumes, no diferente.

A Loucura reivindica a atenção que sempre lhe foi negada, mesmo estando sempre presente, e em todos os lugares, desde a esfera divina a humana, questiona de ser vista pejorativamente.

Faz uma dura crítica ao Clero, instituição forte e muito influente na época, os quais transmissores dos valores cristãos, da humildade, caridade e fraternidade, esqueceram-se dos valores, e também não lhe deram nenhum crédito.

“Fazem bem àqueles que só pensam na boa comida; quanto ao cuidado do rebanho, ou o remetem a Cristo ou entregam àqueles a que chamam frades ou aos seus vigários. Nem se recordam do significado de bispos: bispo quer dizer esforço, preocupação, solicitude, virtudes que se valem para subtrair dinheiro: para isso têm que ter olhos bem abertos!”

Ao teólogo:

”... Todos reconhecem aos teólogos o direito de manipular o céu, ou seja, as Sagradas Escrituras, puxando-as para cá e para lá como um elástico…”

Não sobre ninguém a crítica da Loucura, os poetas, os filósofos, os cientistas, a política, os juristas, os eruditos.

E finaliza com a Loucura se autodenominando mulher, pela petulância e prolixidade, uma crítica incrível, em uma época de extremo machismo.

”Não esqueçais que quem fala é a Loucura, e que sou mulher. Lembrai-vos porém do provérbio grego: Muitas vezes até um homem louco fala sensatamente”.

O livro teve grande impacto na literatura e tem para alguns até hoje, ainda que vejamos a Loucura presente independente da época, na vaidade dos humanos, em relação ao Poder, a Sabedoria, as Riquezas.

A loucura humana estigmatizada no diferente, no sofrimento mental, nos que fogem ao contexto que se pretende do social, é indiferente no nosso dia a dia, e camuflada pela loucura dos que perpetuam o sofrimento humano por benefício próprio.

Ficam aos loucos que se destinam a ser entendidos, aos que se destinam entendê-los, e aos que se satisfazem por pensar ou querer entender.

Que a loucura se regozije da nossa ignorância, e que nossa ignorância nos mantenha felizes em nossas próprias realidades, afinal, de que me serve qualquer sabedoria se tudo é proporcionado por Deus e agora também a genética?

E não para por aí, creem-se na ideologia, no modelo de governo, no saber, no modelo econômico, nos políticos, nos valores..

A crença não dá espaço ao questionamento, que acredito ser a principal mensagem de Erasmo, questionar o próprio questionamento, assim veremos até que ponto são delimitados o indivíduo e o todo, sairemos da anestesia afetiva, e assim nos veremos em humanidade, na loucura do ser que nada sabe, e que sente a dor de nada saber.

Muitos escolhem viver a loucura do já sabido, posto que já sabem tudo o que deveria, e deixar a crença o que cabe a discussão humana.

Outros na loucura do saber que nunca será sabido em seu pleno saber, elaborando a loucura, elogiando-a, mesmo em vão no nosso tempo., assim como foi em tempos anteriores.

E lembro que Erasmo de Rotterdam, pelas descrições dos historiadores era cristão e propôs a filosofia de Cristo, como um cristianismo que chamava de primitivo, o qual consistia no retorno a ética formulada e apresentada por Cristo nos evangelhos, assim como o alto clero, ele criticava também os excessos do protestantismo, mesmo o protestantismo utilizando sua obra como influência.

Obrigado pela leitura. Todos o trechos citados são do livro discutido.

”Adeus, então! Aplaudi, bebei, vivei, ilustres iniciados da Loucura!”

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Fala meu amigo @matheusggr, devo dizer que estou um pouco perdido a respeito desse projeto do #clubedolivro, ele teve algum post introdutório ou simplesmente foi parido pela ideia em si de escrever sobre um livro que se leu? Gostei por demais e espero participar, até por que venho treinando muito o método em meu blog pessoal de literatura: www.literaturavisceral.com, inclusive, fique a vontade para ler algo por lá :)

Agora, a respeito da Loucura (já que o livro em si eu ainda não tive a oportunidade de ler), devo dizer que, como louco que sou (seja aos olhos dos outros, que não compreendem certos hábitos, paixões ou métodos, seja pelos próprios olhos, que neste caso vê medo de insanidade mesmo, rs) penso que não existe nenhuma mente "normal" ou "plena", nada daquele conceito de perfeição santa, de guru equilibrado, acho que sempre existe uma fuga, sempre existe um lado obscuro da alma. E é mais que necessário deixar claro que lado escuro da alma não quer dizer lado ruim ou do mal, mas apenas algo que não está na superfície, não é mostrado e aceito por si ou pelos outros. Naturalmente nesse conceito cabe mil e uma patologias também, a pessoa pode ser perfeita, um engenheiro de sucesso com a vida formada, mas só chega ao orgasmo enforcando-se com o próprio cinto, e coisas do tipo. Naturalmente que o foco aqui não são disturbios sexuais, apenas usei este como exemplo de que temos frações ocultas. Da loucura em si pouco sei. Diferente é achar-se louco como eu me considero em uma nuance muito sutil e pouco séria e outra é confrontar um verdadeiro esquizofrênico, psicótico, alguém fora de si, vivendo em uma realidade paralela. Até que ponto a loucura pode e deve ser elogiada?

Belo comentário. Sempre bom dialogar com você. É uma pergunta sem resposta. Kkkk. O livro é o elogio da loucura e não à loucura, onde a loucura procura seu reconhecimento, uma crítica literária, a procura do poder, riqueza humana, enquanto desde aquela época o diferente que é visto como louco, e a falta de humanidade o normal. Loucura é uma palavra que tem muitos significados culturais, dentro desse heterogênio grupo, também estão os que sofrem psiquicamente, e os que a sociedade estipula como o normal. Já que não existe normal. No final todos temos a nossa loucura. O sujeito psicótico está em si, e a esquizofrenia é um espectro entre outros que também funcionam pela psicose. A realidade do indivíduo é tão insuportável que sua mente produz uma realidade fragmentada. E é causa e consequência das relações humanas. Um sofrimento velado até hoje na sociedade, e estigmatizadas como indivíduos a parte da sociedade, muito também por um contexto médico histórico. Acredito que a loucura como crítica ao senso comum, de 1500, retorna muito bem hoje onde pouco se conhece não cultura sobre o funcionamento mental, e ainda os loucos são os diferentes, desorganizados e delirantes. Enquanto instituições públicas e algumas religiosas, nadam na corrupção, ao custo do sofrimento humano. Obrigado pelo comentário!

Sobre o clube do livro, o gazeta lançou, mas acabou se retirando depois, acho que vale a pena manter esse projeto, livros são muito importantes e dividi-los em comunidade acredito ser muito interessante.

Con #clubedolivro pretendese criar "punto de tag" para curación de aqueles posts arredor de comentarios de livros, livrerias, bookcrossing, bibliotecas e sebos.
A idea saíu de alguén da comunidade #pt, non da gz.
Saúde.

Parabéns, seu post foi selecionado pelo projeto Brazilian Power, cuja meta é incentivar a criação de mais conteúdo de qualidade, conectando a comunidade brasileira e melhorando as recompensas no Steemit. Obrigado!

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Saudações, matheus
Essa questão da loucura é complicada man. Quem julga o outro como louco, tende á julgar de acordo com seu viés. Se uma pessoa tiver tendência á personalidade anancástica, julgará a maioria das coisas fora de seu espectro como errado, talvez como louco...... Por outro lado, alguém com uma personalidade muito "mente-aberta", poderá julgar alguém que é sempre pautado pela razão como certinho ou louco, por manter-se sempre caminhando em uma linha reta.
Isso inclusive, me lembrou de um livro brasileiro, depois escreverei sobre ele.

Muito bom post, boa noite!

Fiquei na dúvida em relação ao comentário. Se em relação ao termo antropológico da loucura, ou a interpretação em sua dimensão de teoria do estudo psíquico ou mesmo cultural do senso comum. Entendo que antigamente e hoje em dia, acho que traz de certa forma isso, no sentido cultural a loucura utilizada com amplas significações, dependendo da valoração individual ou coletiva do que foge ao ordinário, ou ao determinado a ser ordinário. Também gosto de um brasileiro que aborda essa temática muito bom, do Machado de Assis, chamado O Alienista. Pretendo trazê-lo também, assim como História da loucura do Foucault. No Elogio da loucura, somos todos loucos, e não lhe damos o devido crédito, uns diferentes loucos dos outros. Obrigado pelo comentário @julisavio!

hahahah, era sobre o alienista que eu ia falar. POis, o personagem claramente é anancástico. Ele julga todos de acordo com seu viés e os encarcera. No final, percebe que sempre que julgar pelo seu viés os outros estarão errados e vai ele para a "prisão"

Sim. Um humor inteligente digno de Machado de Assis. O Dr Bacamarte, poderia ter uma personalidade anarcárstica, não sei, sei que era médico, cientista, grande sábio, o sábio do senso comum, a valoração em relação a própria moral sobre a loucura. Acabou entregue a própria loucura, se internado e excluído da sociedade, assim como são as muitas prisões dos dias de hoje, e como já foram as internações psiquiátricas nos séculos passados, obra é uma bela crítica literária ao cientificismo do século XIX. por isso a internação deve seguir critérios clínicos, e a clinica ser feita sobre teoria e conhecimento atual. Quem sabe um dia consigamos chegar no modelo italiano de desinstitucionalização. Ainda hoje a internação é um recurso, e um sinal da falta de organização politico social de suas ações sociais e de saúde, isso no sistema público, e é uma luta que estamos em um momento importante e retrógrado, devido a politica das comunidades terapêuticas, já no particular pode acontecer por demanda ou critério clinico.

Muito bom, man!

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