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CRÍTICA COM SPOILERS
Alguns momentos da vida são genuinamente assustadores. Momentos onde certezas e lugares seguros – metafóricos ou literais – se desmontam em caóticas transições para se reorganizarem em dúvidas e terrenos desconhecidos no qual deveremos nos aventurar. Em outras palavras, são os momentos onde diante das vicissitudes inerentes da existência, tomamos decisões difíceis e assustadoras para, então, amadurecemos. O primeiro It – A Coisa (2017) é uma grande metáfora sobre como o mundo – ou a sociedade – nos faz perder nossa confortável e obtusa inocência em troca de maturidade. O que é adolescência senão o primeiro grande passo em direção à realidade assustadora que nos espera? Essa realidade de horror subjetivo é perfeita e assustadoramente representada por Pennywise (Bill Skarsgård). A representação de Pennywise é, para mim, o grande mérito do filme de 2017, cuja história acontece na atualmente tão explorada década de 1980 – entre 1988 e 1989, mais precisamente. Já It: Capítulo 2 é ambientado 27 anos depois. Passada a instabilidade da adolescência, o que mais poderia ser comumente assustador para manter o terror de Pennywise além da estupenda atuação de Skarsgård? O roteiro de Gary Dauberman – inspirado no livro de Stephen King– dá uma boa resposta: memória. Mas a forma como a narrativa caminha para essa conclusão é irregular.
O grande mérito de It: Capítulo 2 continua sendo o Pennywise de Bill Skarsgård
Após um novo desaparecimento em Derry, Mike (Isaiah Mustafa) entra em contato os outros membros do Clube dos Otários acerca da promessa que fizeram 27 anos atrás. O primeiro arco de It: Capítulo 2 basicamente acompanha as reações de cada um ao receberem a ligação e a reunião subsequente do grupo. Ao lidar com muitos personagens, a direção de Andy Muschietti e a montagem de Jason Ballantine buscam diferentes recursos narrativos para dar dinâmica às subtramas específicas. As transições entre os personagens acontecem em montagem fluida para transitar tanto no espaço quanto no tempo através de movimentos de câmera que alternam entre o subjetivo e a terceira pessoa, nos colocando diretamente nas cenas ou como expectadores próximos – algo que também funciona bem no terror do filme, que apesar de manter as convenções do _jump scares_sabe elaborar a tensão. Isso torna It – Capítulo 2 envolvente. Mas após o primeiro ato essa mecânica perde a eficiência. Não pela forma, mas pelo propósito.
Boa parte do segundo ato
é dedicada a justificar os _mcguffins_de cada personagem, no que se torna um exercício longo e desinteressante. Ainda
que cada estória carregue algum valor emocional, narrativamente elas não somam nada
ao desenvolvimento além de muitos minutos enfadonhos. Mais do que isso, essas
informações buscam justificar um ritual cuja origem é tão desnecessária quanto prejudicial
à atmosfera. Uma das coisas que me conquistou em It – A Coisa é justamente a dúvida sobre Pennywise: afinal o que diabos era aquele palhaço monstruoso? Ao dar
uma origem a ele o roteiro elimina uma característica eficiente do suspense: o desconhecimento.
E ao se tratar de lembranças, cada pequena estória tenta elaborar medo e
tensão, mas o único êxito real – já que como evento passado, é fácil saber que
não houve consequência fatal – está na criatividade e concepção da boa
variedade de monstros inquietantes que surgem. Ainda que o CGI seja demasiadamente
perceptível algumas vezes, os designs das criaturas são divertidos de
acompanhar. As sequências do jantar, da velhinha e da casa de espelhos, por
exemplo, são ótimas (essa última, aliás, é sensacional). Mas a minha favorita surge
entre a inquietante combinação de uma cabeça decapitada e pernas de aranha, ou
seja, uma clara referência e homenagem ao Enigma de Outro Mundo(1982), de John Carpenter. A concepção de criaturas aterrorizantes que dá um mínimo de
pulso ao marasmo narrativo de It – Capítulo 2. Isso e o Pennywise.
O trabalho de Bill Skarsgård continua assustador e
ainda consegue ir um pouco além. Nessa nova concepção, os trejeitos estranhos
permanecem pontuando suas aparições, desde a voz errática de candura sinistra,
até o olhar (como ele faz aquilo com os olhos?!) continua aterrorizante, só que
tudo isso com uma nova camada. Pennywise, não parece querer mera vingança. Há
alguma espécie de saudade ali. Há uma conexão com o grupo que se expressa de
forma intensa e curiosa, e isso soma ao horror que consegue projetar. Ele ficou
marcado com a derrota, o que é visualmente perceptível na roupa suja e puída
que utiliza algumas vezes. Mas quando a influência de _Pennywise_muda o foco do grupo e se estabelece com outras pessoas
de Derry, o filme apresenta inconsistências e inconclusões.
Durante a sequência de
abertura, por exemplo, ocorre um crime de homofobia. Devido à própria
estereotipificação dos homofóbicos – caracterizados como os tradicionais
caipiras (rednecké o termo mais
correto), fiquei me perguntando: eles fizeram aquilo por serem realmente
preconceituosos ou era apenas a influência do palhaço? Ao lidar com o tema, o
roteiro entra num terreno complicado sem oferecer qualquer justificativa.
Talvez a ideia fosse ser representativo, mas se fosse isso, por que não ser
afirmativo com a jornada de Richie(Bill Hader)? O arco narrativo do
personagem parece envergonhado de si mesmo, sugerindo uma possível paixão por Eddie(James Ransone), mas com timidez excessiva e inconclusiva, ainda que_Hader_tente dar sentido a tudo isso.
Outro exemplo é Henry Bowers (Teach Grant), cujo retorno não tem
função qualquer. Suas interações com os personagens não resultam em nada e todo
seu arco poderia ser excluído sem qualquer consequência negativa para a
narrativa. Tal como o “ajudante zumbi” que desaparece da trama sem qualquer
explicação. Pensei que ele seria fruto da insanidade de Bowers e da manipulação de Pennywise,
mas isso não explica suas duas cenas primordiais: a entrega da faca e sua
função de motorista.
É difícil imaginar que o
problema de consistência de It: Capítulo 2 seja responsabilidade da edição e da montagem de uma obra que tem quase
três horas (2h49). Parece-me que o roteiro de Dauberman está menos inspirado do que no filme anterior. É o caso
da conclusão que, ao ler a carta de despedida de um personagem, tira parte do
efeito de seu suicídio, que poderia ser considerado como uma reação ao horror
que habita Derry. Mas com a carta servindo como desfecho, descobre-se que o
suicídio foi meramente estratégico. Se por um lado a direção antecipa isso com
elegância – a transição entre arcos acontece através de movimento fluido de
câmera que nos indica a “peça final do quebra-cabeças” –, por outro o roteiro
cria uma (outra) inconsistência: se ninguém se lembra do Pennywise, como Stanley(Andy Bean) cometeu suicídio sabendo
que isso era a única forma de detê-lo?
São essas inconsistências
que enfraquecem It: Capítulo 2. Ainda
que seja repleto de bons personagens e ótimos antagonistas, o filme não
consegue encontrar um equilíbrio. Nem mesmo o humor, que funcionou tão bem no
primeiro filme, é estável. Um comediante do peso de Bill Hader não consegue ser tão engraçado quanto deseja já que
parte considerável das piadas ocorrem em sequência equivocadas que além de não
fazerem rir, eliminam a tensão. É aquela máxima: se o perigo fosse realmente assustador
e mortal, não haveria tempo e cabeça para brincadeiras.
Apesar do desequilíbrio do segundo ato (principalmente), It: Capítulo 2 conclui bem a obra graças a detalhes que dão alma à cafonice do roteiro, principalmente num único plano: o reflexo dos adultos no vidro da rua. Visualmente belo e alegórico, o momento dá vigor ao final formulaico e conclui bem nova jornada de amadurecimento dos personagens. Lidar com as lembranças do passado é um exercício tão necessário quanto assustador. Não digo sobre as lembranças que gostamos de revisitar, mas aquelas que escondemos nos cantos mais remotos da nossa memória, onde sofremos e fizemos sofrer. Lembranças que escondemos para construir uma imagem confortavelmente falsa, ou pelo menos incompleta, de nós mesmo. O passado sem conclusão sempre retorna de alguma forma. E isso pode ser muito assustador.
https://www.youtube.com/watch?v=PLZHjEYrJg4
Data de estreia: 5 de setembro****Título Original: It: Chapter TwoGênero: TerrorDuração: 2h49Classificação: 16 anosPaís: Canadá, Estados UnidosDireção: Andy MuschiettiRoteiro: Gary Dauberman, adaptando obra de Stephen KingCinematografia: Checco VareseEdição: Jason Ballantine
Trilha Sonora: Benjamin WallfischElenco: Bill Skarsgård, Jessica Chastain, James McAvoy, Bill Hader, Isaiah Mustafa, Jay Ryan, James Ransone, Andy Bean, Teach Grant, Xavier Dolan, Jaeden Lieberher, Jeremy Ray Taylor, Sophia Lillis, Finn Wolfhard, Finn Wolfhard, Jack Dylan Grazer, Wyatt Oleff, Nicholas Hamilton, Nicholas Hamilton
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