Olá amigos steemianos!
Cá estou eu após mais uma clausura bandwidtheana mas sobre isso já escrevi aqui.
Decidi criar uma série de posts relacionados com os poemas que fazem parte da minha vida e com isso contribuir com algum conteúdo para a comunidade lusófona.
Quem me conhece sabe que fujo de grupos, as chamadas carneiradas, como o diabo foge da cruz, gosto de seguir o meu caminho e não ir porque os outros foram, enfim, personalidades e cada um tem a sua (estou a pensar que nem de propósito o poema que vos trago é o retrato perfeito do que acabei de escrever).
Isto para dizer que "vou dar o braço a torcer" e de certa forma com esta iniciativa demonstrar o meu apoio aos projetos @camoes e @lusofonia.
Durante esta série de posts vou usar a tag #poemasdaminhavida
Convido todos os que quiserem participar e contribuir com os poemas das suas vidas além de a usar a tag #pt também usar a #poemasdaminhavida
E para começar em grande escolhi aquele que considero
O POEMA
Cântico Negro - José Régio (1925)
“Vem por aqui”- dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui”!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
—Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha Mãe.
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos…
Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: “vem por aqui”?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
a ir por aí…
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?…
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos…
Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios…
Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou…
Não sei para onde vou,
Não sei para onde vou
—Sei que não vou por aí!
José Régio