Num ônibus Cometa rumo ao interior. Com calor. Finalmente o ônibus anda e ligam o ar-condicionado. Dor de cabeça de ressaca. Ouvindo Elvis, mas pensando em mudar a trilha sonora. Sensação de corpo intoxicado. Preciso fazer algum exercício físico. DÚVIDA ENTRE POR ÓCULOS ESCUROS, OU DE GRAU, OU FICAR SEM NENHUM. Unchained Melody. Há uma moça sentada ao meu lado. Ela mexe no celular. Não a olhei bem, mas acho que é bonita. DOR DE CABEÇA. Meu estômago está instável. Ando bem irritada com B. Tem tanta gente bonita no mundo. Pena que nunca fizeram sessões de psicanálise. E que acham que vou salvar a vida delas. Nossa. Será que aconteceu denovo? Clic. Acabou. Penso em outra pessoa. OPTO MOMENTANEAMENTE PELOS ÓCULOS ESCUROS. Água de coco. Salada. O verão na Europa. Nuvens gordas. Tem um moço bem bonito sentado na poltrona 08. Não me ame tanto. Chato né. Ser egoísta. Os encontros são tão raros. SERÁ QUE ESTOU NO ÔNIBUS CERTO? Devo estar. Impulso súbito de ouvir Girl loves Me, do David Bowie. Faço isso. Lembro da carta que um antigo amor me escreveu. Era bonita. Que pena. Meu celular vibra algumas vezes. Eu sei o que é, e me irrita a interrupção da música. Eu sou um monstro. O céu está agora fechando, com cara de chuva. Árvores. Árvores. Árvores. Ela não para de mexer no celular. Berlim. Posso sentir o cheiro. Preciso de dinheiro. O moço bonito está indo conhecer a família da sua namorada no interior. Ele preferiria não, mas ele gosta dela. Ela gosta da família. É natural ver a família na Páscoa. Estou pronta para novas emoções. Quero cheirar outras pessoas. Minha mãe me pergunta: o que você vai querer fazer? Costurar, eu disse. Que bom. Eu acabei de fazer um vestido tubinho para P. O MOÇO LEVANTA E É MENOS BONITO DO QUE PARECIA. Ela pergunta se prefiro sukiaki ou bife com salada. Hoje eu prefiro bife com salada, embora eu adore sukiaki. É a única possibilidade pra mim, agora. Bebo água. Não cai bem. Ontem assisti uma peça que me deixou devastada. Sensação parecida com a de quando assisti Paris, Texas. Você foi indo sozinho, tive vontade de falar pra ele. Lembro da polêmica em torno de Os sofrimentos do jovem Werther, do Goethe. As pessoas que inspiraram as personagens do livro contestavam que a história publicada não era real. Talvez se sentissem difamadas. Penso que sou mesmo uma artista. Isso me entusiasma e também faz com que eu me julgue por estar me achando importante. Pronto, passou. O tédio logo substitui o entusiasmo e agora estou suspeitando que a moça ao meu lado lê o que escrevo. Mas como minha letra é muito feia, NESSE MOMENTO ELA PEDE LICENÇA PARA SAIR DO BANCO DELA E PASSAR. Curva. Estou na avenida principal da cidade. Parece que perdi o fio do que eu queria escrever. Fico um pouco eufórica imaginando que alguma pessoa possa de fato gostar do que escrevo. Decido agora não cortar esse sentimento de alegria eufórica, como da última vez. Mas ele passa mesmo assim.
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