Antonio López tentando, sem conseguir, captar o tempo num instante de luz outonal refletida sobre um marmelo (tudo à frente da câmara de Víctor Erice, outro artista obsessivo); Jason Pollock, furioso e contra o mundo, lançando tinta nas telas gigantescas para ocupar um lugar na história das vanguardas; Cezzane, torturado, lamentando ter de se ausentar do enterro da sua amada mãe porque não conseguia evadir-se da obra que pintava nesse momento.
Como escreveu Stefan Zweig, um dos pensadores mais clarividentes da primeira metade do século XX, no seu ensaio “O mistério da criação artística”: “A verdadeira fórmula da criação artística não é inspiração ou trabalho, mas antes inspiração mais trabalho, exaltação mais paciência, deleite criador mais tormento criador”. A história da arte está cheia de anedotas e vivências que ilustram a luta dos criadores contra eles próprios e a insatisfação que sentem por essa incapacidade de representar o irrepresentável. E entre todos os atormentados, como eram descritos por Zweig, talvez o mais conhecido (pela sua genialidade, a sua trágica morte e a incompreensão que sofreu durante a sua vida) seja Vincent van Gogh. Numa carta dirigida ao seu querido irmão Theo, que o sustentou economicamente e foi praticamente o seu único apoio emocional, o pintor holandês descrevia a sua procura de transcendência através da arte, uma intenção que sempre guiou a sua obra e que o estimulou a continuar a pintar apesar de se sentir um incompreendido entre os seus contemporâneos: “Espero não trabalhar para mim próprio. Acredito na necessidade de uma nova forma de vida artística, com a sua própria cor. Ao trabalharmos com essa fé, temos uma oportunidade”.
A figura de Van Gogh, a sua maldição, a sua especial relação com o seu irmão mais novo (falecido apenas uns meses depois dele), as dúvidas à volta do seu suicídio, o único quadro que vendeu na sua vida... para se converter depois num génio reconhecido cujas obras atingem valores astronómicos nos leilões, ou a sua relação com outros artistas como Paul Gauguin (que provavelmente lhe cortou a orelha numa briga, embora ambos tenham guardado silêncio sobre o assunto), tornaram o pintor holandês uma figura apelativa para a ficção cinematográfica. Grandes diretores como Vicente Minnelli em 1956 (A Vida Apaixonada de Van Gogh), Akira Kurosawa em 1990 (num dos episódios dos seus Sonhos) ou Robert Altmam, também em 1990 (Vincent e Theo) abordaram a figura de Van Gogh. Agora, no novo título Loving Vincent, está de volta ao grande ecrã, mas com uma particularidade: trata-se do primeiro filme pintado inteiramente a óleo. Um total de 65.000 quadros pintados em telas de 70x51 centímetros e fotografados posteriormente para dar a sensação de movimento. A técnica, aparentemente simples, teria fascinado o próprio Van Gogh pela dedicação (quase doentia) dispensada pela sua diretora, a polaca Dorota Kobiela, durante mais de cinco anos. Os 125 artistas que participaram no projeto pintaram os seus quadros sobre as cenas previamente filmadas, para depois fotografar o já pintado, raspar a pintura, voltar a fotografar, pintar novamente, raspar... E assim sucessivamente até completar a animação que se queria representar em cada fotograma. Uma tarefa titânica cujo resultado é uma obra hipnótica que penetra no mistério das pinturas e na vida de Van Gogh, e que chegou aos cinemas portugueses em outubro de 2017.
Como afirma Hugh Welchman (codiretor, coargumentista e produtor), o seu filme é um exemplo “do impacto positivo que a arte pode ter nas pessoas”. E Kobiela conclui que, como indica o seu título, Loving Vincent é, para além das 65 mil pinturas que o compõem, “uma carta de amor”.
Entrevista e edição: Noelia Núñez, David Giraldo
Texto: José L. Álvarez Cedena