Autonomia, Responsabilidade e Liberdade - Parte 2
Pode ler aqui a primeira parte deste artigo - Autonomy, Responsibility and Freedom - Interview Part 1
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"O fracasso é a fundação do sucesso ; O sucesso é um lugar onde espreita o fracasso" - Laozi
Autonomia, Responsabilidade e Liberdade - Entrevista Parte 2
Sara Aleixo - Concentrar a autonomia num único polo que é o poder: no fundo, autonomia e poder estão sempre em relação...Charlie - Sim, o poder é que tem, no fundo, a liberdade volitiva (quer dizer, de escolha e exercício de vontade), no mundo e nos seres humanos. Lembrei-me agora de uma entrevista sobre um estudo, em que se chegou à conclusão, que afinal, quem é mais rico e tem mais poder, tem uma super longevidade que ultrapassa o comum do não-autonómico, do trabalhador, em vinte ou trinta anos de duração.
E não é só a questão do poder comprar saúde, ou poder comprar mais médicos ou mais... não é essa a grande questão. A grande questão tem mesmo a ver com o exercício da capacidade volitiva, ou seja, quem a exerce tem a possibilidade de durar muitos mais anos. Mas nesta sociedade capitalista essa capacidade está concentrada em quem tem o poder, são esses que exercem a sua vontade.
Sara Aleixo - A vontade de poder...
Charlie - Não, não é a vontade do poder, tem de se chegar a Schopenhauer, que disse que a vontade era tudo no ser humano, Nietzsche era perigoso porque alguém, mais tarde, interpretou mal o seu conceito de vontade, pois isso fez nascer o fascismo. Era um escritor autónomo contra o poder, que acaba por ser usado pelo poder.
Já nessa altura, para explicar a vontade fascista, ou seja, a vontade, que hoje tem as últimas repercussões nas sociedades satânicas...
Agora é preciso falar de vontade como se fala de autonomia.
É que existe a vontade nas organizações satânicas, que pensam, que interpretam Schopenhauer a um extremo, à sua maneira que é: a vontade é exercida pelos que têm o poder e podem usar os outros como objecto, desde que detenham um poder superior.
Nessas organizações satânicas há os que violam, os destroçados, os cortados, os que destroem mentes, mas são os que entram, os que estão no poder não se destroem psiquicamente, e se calhar, duram mais anos por poder exercer a sua capacidade volitiva.
Porque ao não exercer a minha vontade, eu não sou autónomo... a vontade é uma energia e se eu não for autónomo eu consigo exercê-la sobre o meio ambiente, mas se eu não a exerço, nós somos energia e essa energia volta-se para dentro e destrói-nos, porque, se calhar, não é o trabalho físico que leva o trabalhador a morrer mais cedo, é precisamente a estrutura em que ele está inserido que não lhe permite exercer nenhuma capacidade volitiva, e que o acaba por consumir, não só fisicamente, mas espiritualmente e, depois, isso vem-se a verificar na própria família.
Porque, quando ele chega à família, onde ele supostamente tem o poder, ele exerce essa capacidade volitiva de uma forma satânica, sem compreender que, para além da nossa vontade, está a vontade de todos os outros que nos rodeiam. E é esta a grande questão da democracia, da policracia, ou multicracia, se se quiser.
Sara Aleixo - Agora, voltando ao caso do trabalhador, como pode uma pessoa exercer a sua vontade... como há possibilidade de autonomia quando nós estamos sempre em relação com os outros? Já falei com uma pessoa que me disse que é impossível porque estamos sempre dentro de estruturas mentais, culturais, sociais... Estamos sempre em co-relação, não é? Como é possível a autonomia?
Charlie - Acho que isso está dentro do conceito de autonomia destituída do conceito de poder, autonomia é agir com responsabilidade e responsabilidade quer dizer exercer a minha vontade, desde que esse exercício não vá impedir o outro de exercer a sua vontade.
Sara Aleixo - E, agora, o contrário, e se a vontade dos outros nos impede de exercer a nossa?
Charlie - Aí, há diferença entre vontade e acção, ou seja, nós somos pessoas com alguns valores permanentes, que, quando entramos em interacção social, dependemos de valores virtuais (em aproximação a comungar com os valores dos outros) e isso faz parte da nossa própria adaptação.
Vamos conhecendo uma pessoa e vamos vendo até que ponto o exercício da nossa vontade não invade o território da outra pessoa. Só que há pessoas que não têm autonomia e que gostam que o seu território seja invadido, há outras que têm uma grande autonomia e não o permitem...
Portanto, a grande questão que tu pões nasce da interacção.
Claro que tem de haver sempre relações culturais, educacionais a explicarem à pessoa que a autonomia não é um conceito capitalista, de continuar a exercer a nossa vontade derrubando tudo e todos, não vendo as consequências das nossas acções sobre os outros, mas partir para um novo conceito de autonomia que tem a ver com exercer a minha vontade sem que tenha de atropelar os outros.
Mas nós somos maleáveis e humanos, e o exercício da vontade... Nós podemos ter vontade de fazer uma coisa, mas quando somos inseridos numa estrutura social, como temos que ser, quando vou ter de exercer a minha vontade, estão outras pessoas.
Nesse exercício da vontade, mas precisamente, nós estamos em social, não estamos com a nossa vontade isolados.
E então aí vai haver um jogo, mas aí tem a ver com quem está educado democraticamente, ou não, vai haver aí um jogo, em que se chega a um consenso de vontades, mas como cada um, se foi educado dentro do sistema democrático, participou na elaboração, e depois , na aceitação de que a sua vontade afinal, não poderia ser exercida por ali, e se exercer por ali, o outro fica melhor e a pessoa também ganha com isso, mas isto tem sempre a ver com a educação cultural.
Sara Aleixo - Mas há sempre condicionalismos, quer dizer, há uma pessoa que nasce, a sua autonomia vai ser completamente condicionada pela educação familiar, pela zona do país em que vive, as escolas que frequenta, o tipo de pessoas que conhece. Onde é que está a vontade pura?.
Charlie - Não confundir vontade com autonomia, autonomia é uma coisa que se ganha pelo exercício da nossa vontade. Aquela trilogia do que cada um pensa ser, autonomia, liberdade e responsabilidade, entra em função quando nós vamos exercer a nossa vontade. E, digamos que é a interacção entre esses factores que determina a nossa maneira de determinar a nossa vontade sobre os outros.
Mas, no fundo, penso que tem a ver com os dois conceitos de autonomia, exercer a vontade sem olhar para fora e tentar colocar-se na situação do outro, sentir o outro, e exercer autonoma, capitalistica e fascisticamente a vontade, sem ter interesse pelas repercussões que isso tem no exercício de vontade da outra pessoa.
A sociedade pode criar três tipos de educação que modelam em termos sociais esses três vectores da autonomia-responsabilidade-liberdade.
Descobriu-se que se pode criar três tipos de educação: a educação laissez faire- laissez passer, nomeiam-me líder daquilo mas eu não lidero nada, não quero saber o que se está a passar.
Depois há o democrático, nomeiam-me líder para eu por aquelas pessoas a interagir sem que eu esteja lá a exercer a minha vontade, mas o objectivo tem de ser, pôr todas as pessoas a exercer a sua vontade.
Ou então cria-se uma educação fascista como a dos meus professores de há vinte anos, apesar que todos eram bons professores...só que metade deles eram autocráticos.
Chegou-se á conclusão de que só no grupo democrático é que as pessoas mudavam pelo exercício da sua vontade
Talvez, descrevendo-se um exemplo, seja mais fácil. Pretendia-se que os americanos passassem a comer miúdos de toda a carne porque se estava durante a guerra. Ninguém gostava de miúdos e deitava-se fora.
Mas como se estava durante a guerra resolveu-se aproveitar e então o Kurt Lewin criou três tipos de grupos, experimentando aqueles três tipos de liderança educacional, para ver em qual desses grupos se começava a comer esses miúdos.
Chegou-se à conclusão de que no grupo Laissez faire, laissez passer”, toda a gente falou sobre aquilo, mas ninguém ganhou os hábitos de consumo. No grupo de liderança fascista (directiva), pode ter havido alguém que mudasse, mas porque estabeleceu uma relação de medo com o educador directivo.
Descobriu-se que no grupo de liderança democrática, onde estava um indivíduo a pedir às pessoas que dissesse como é que se fazia, que fosse para casa pensar que petiscos se poderiam fazer e depois discutirem-no em grupo.
Nesse grupo, onde todas as pessoas exerceram as suas vontades, tinha-se conseguido que 90% do grupo ganhasse hábitos de miúdos.
O que está subjacente nesse tal grupo social é o modelo de educação do sistema educativo que pertence ao poder e é gerido por ele. Isto traz-nos a grande questão, que é a mais antiga, temos de voltar a Shakespeare, entre o ser e o não ser.
Sara Aleixo - Mas como é que se passa a ser? As sociedades democráticas são as que conseguem promover mais autonomia nas pessoas, não é? Isso passa a ser um ciclo...
Charlie - Está sempre em ciclo. Vão evoluindo conforme vai evoluindo a cultura, vai evoluindo a consciencialização das pessoas que estão sujeitas a esse ciclo, a essa educação e a essa cultura. Isto é o ciclo constante do ovo e da galinha. Ovo e galinha são uma unidade estrutural indissociável. Ovos produzem galinhas, que vão produzindo. São um só ser.
Sara Aleixo - Nesse caso, como é que se põe o ovo da autonomia numa sociedade fascista?
Charlie - Modificando o tal sistema de educação, no fundo, com a diversidade de comunicação cultural, podem estar abertas algumas hipóteses das pessoas seguirem alguns modelos novos de alternativa estruturalista.
O problema é que as pessoas se vão reportar a revoluções a-históricas, que aconteceram há muitos anos, para hoje fazerem a revolução, e hoje não existe nenhuma filosofia idealista revolucionária, que provoque um "estado nascente", do Dr. Alberoni, que, na sua tese de doutoramento que se chama A Génese, levanta a tal questão da vontade autonómica de grupo. O marxismo era um idealismo muito bonito que leva ao fim equalitário, sem exercício do poder, todos teriam acesso ao poder.
Quando os seres humanos pegam nos idealismos, é preciso perceber o estado volitivo das pessoas que acreditaram nesse idealismo, e já está aqui a diluir-se a vontade pessoal colectiva.
O estado nascente é, precisamente, quando as pessoas olham umas para as outras perceberem que todas elas têm um estado volitivo comum, não há um estado volitivo pessoal.
Esses tais estados nascentes, que os artistas e filósofos seguiram, quando tomado pelos indivíduos e transformados em instituição...
Ele, enquanto idealista, tem a vontade de uma multidão se tornar autónoma e ser democrática, mas aparecem depois pessoas que tomam o poder e que utilizam esse idealismo e esse exercício da vontade pública, transformando num sistema de regras que vai destruir exactamente esse estado idealístico e transforma-o numa coisa material, se formos a um Lenine ou Staline, é criar um sistema cultural que destrua a vontade colectiva a zero, passando eles a exercer a sua vontade (um bom exemplo de mau exercício da vontade).
Lenine, mandou matar milhões de pessoas para exercer a sua vontade em nome de um idealismo. O grande problema é que os ideais mais lindos do mundo, por exemplo, o ideal de Cristo, em nome do qual se assassinou mais pessoas na história.
Porque as instituições, com o seu poder, pegam na cultura transformando-a pelos meios de comunicação, para poderem exercer a sua vontade. Quanto "mais bonito"; for o ideal nascido, mais morte, sangue e destruição pode provocar.
Como no caso de Cristo, os novos idealistas do marxismo, ao tomarem o poder, tornam-se grandes assassínos, esses ideais de comunidade, igualdade, fraternidade e solidariedade, todos estes valores que estão normalmente subjacentes aos ideais de exercício de vontade da multidão, os do grupo, são imediatamente tomados sempre pela estrutura do poder. O que se põe é que o poder concentrado vai diminuindo na história, mas no seu limite lógico-matemático, ele nunca será destruido e nunca haverá igualdade. Isto é bem explicado na rábula do Triunfo dos Porcos, de George Orwell.
Os animais de uma quinta, revoltam e expulsam o dono, mas após os primeiros momentos de euforia colectiva, o grupo dos porcos toma o poder através dos cães como polícias, e apoderando-se da comida para si próprios, voltando os outros animais ao estado primeiro de subjugação.
Exercício do poder corresponde à possessão material da Terra que pertence a todos.
Por exemplo, 5% da população que detém 95% do poder material do mundo, destrói 95% da terra, em termos de poluição. A autonomia está sempre ligada portanto, ao poder, que jamais será destruido, nunca podendo chegar a haver autonomia pura.
Porque há uma força imanente do inconsciente colectivo histórico e da cultura que, mesmo que haja uma revolução e a capacidade de exercício da autonomia colectiva, há sempre uns do grupo, ou vindos de fora, que tomam o poder e exercem a sua vontade e detém os meios de produção e materiais.
Mesmo havendo um estado gasoso de desestruturação social, devido ao enraizamento do poder, acaba sempre por se reestruturar e destruir esse tal ideal que permite o exercício da vontade colectiva... Não é possível criar o estado idealista que possa destruir o poder para sempre.
Estes estados nascentes autonómicos da multidão, parecem ser um mal necessário para o poder, para que o poder dominante nunca estagne, criando as condições para a sua perpetuação, com uma parecença com a diversidade biológica de adaptação, complexificação e crescimento.
Apesar do poder dos reis se ter desmultiplicado nos parlamentos, há diferenças culturais, por exemplo na Holanda de comunalismo democrático, um regime em que as pessoas participam mais nas decisões políticas, mas nunca se atingirá o estado autonómico do poder para todos.
Sara Aleixo - Porque será que que as pessoas se vão tornando cada vez menos autónomas? Há bocado falavas do artistas, por exemplo, um Picasso é mais difícil de encontrar hoje...
Charlie - O que falta hoje é a pressão directa, até um determinado momento histórico, as pessoas eram atacadas pelo poder e tomavam consciência das figuras que os atacavam. Hoje vive-se com uma cortina chamada media que não nos permite objectivar qual é o poder a desestruturar ou destruir. O poder utilizou o nascimento da televisão enquanto mecanismo não interactivo e só de descarga passiva da cultura sobre a multidão. A Net traz um novo princípio, mas é baseado na televisão.
Sara Aleixo - Há pouco falavas da Net e da ambiguidade. Cada vez há mais informação, mas também há muita manipulação...
Charlie - Menos comunicação. Comunicação quando falo de valores humanos íntegros, há mais comunicação, mas a comunicação da liberdade era feita de grupo em grupo e não através de um objecto como um computador, ou seja, para fazer a revolução hoje, não há ideais, porque há interposição material entre o espírito das pessoas que estão talvez a manipular conceitos culturais comunicando e falando de valores humanos.
A comunicação humana face a face é diferente da comunicação com o interface máquina.
Usando estruturas fora do nível do espírito, pois estão no nível material, por isso é que existe uma decrescente comunicação consoante se vão desenvolvendo os meios de comunicação, que são sempre desenvolvidos segundo as estruturas que o poder lhes dá.
A Net assusta o poder, porque pela primeira vez alguém pode por notícias autónomas no ciberespaço.
A Net é a primeira organização mundial que dispõe de autonomia, mas a publicidade já a invadiu, e tem a lógica do poder. É a primeira organização sem estruturas de poder que definam as regras.
O grande sonho e o grande susto para o poder é dominar este grande meio de comunicação, que afinal, pela primeira vez permite, em termos históricos, uma autonomia pessoal sobre o poder, é um mecanismo totalmente autonómico pessoal. Consegue-se por uma página na Net, apesar do FBI nos poder prender daqui a 15 dias, ela será distribuida a toda a gente pela comunidade cibernauta.
A Net traz isto, mas o poder arranja sempre maneira de se adaptar a estes novos autonomistas.
As vendas na Net tiraram-lhe força. Devia-se criar uma Net que só tratasse de questões do espírito e não das coisas materiais e das estruturas de produção. A Net já começou a perder o seu cariz autonómico, pois já tem objectivos do sistema educacional cultural dominante.
Ele come todas as autonomias e transforma-as em meios de produção, que estão inseridos dentro de regras e não são ideais.
E os ideais permanecem por muito pouco tempo. O grande problema da nova geração é a ausência de ideais, porque o poder chegou àquele nível de controlo e prevenção, tem consciência que cada vez mais, com os sistemas de comunicação e, chamar-lhes-ia sistemas de controlo que cada vez crescem mais.
Cada vez mais estes sistemas que podiam ser nauto-liberalistas, serão mecanismos de controlo do poder.
E já estamos num ciclo fechado na entrevista, há um certo tempo, porque chegámos à conclusão que a estrutura do poder se manterá eternamente, apesar das suas desestruturações, conforme a força do ideal que as desestrutura, mas que se voltam imediatamente a reestruturar, assim o ideal autonómico volitivo geral é transformado numa estrutura de poder até ao próximo fenómeno.
Fim da entrevista
Sim senhor....
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