CRÍTICA | O Sol Também é uma EstrelasteemCreated with Sketch.

in autoajuda •  6 years ago  (edited)


Percebi no final de O Sol Também é uma Estrela que a relação que eu desenvolvi com o filme ao longo de seus 100 minutos foi um acidente, um acaso involuntário oriundo do roteiro (de Tracy Oliver, baseado em livro homônimo de Nicola Yoone) e da direção (de Ry Russo-Young).

Posso dizer que atualmente na minha vida, um romance de autoajuda como O Sol Também é uma Estrela não me apetece. Estou num período de reavaliação constante, seja ela interna ou externa, observando o mundo com um olhar oposto ao romantismo açucarado que caracteriza a narrativa – com sua fotografia constantemente brilhante, calorosa e com tantos lens flares que deixariam J.J. Abrams enjoado. Portanto, achei curioso que no final do filme, no epílogo crucial, eu concorde tanto com a mensagem (involuntária) da obra. Assim como me surpreendi ao notar que, mesmo tendo certeza de como seria o desfecho dos protagonistas Natasha Kingsley (Yara Shahidi) e Daniel Bae (Charles Melton), houve algum grau de ansiedade no prolongamento do “será que irão se ver?”. Afinal, só faltava tudo aquilo ter sido em vão.

O Sol Também é uma Estrela
'O Sol Também é uma Estrela' é uma ode à passividade

O começo de O Sol Também é uma Estrela utiliza um recurso que se espalha ao longo do filme: uma explicação em off de Natasha Daniel também realiza tais momentos – com uma montagem razoavelmente estilizada. Nesse caso, a protagonista me deu a perspectiva daquilo que ela acredita: fatos comprovados. Não há espaço para destino, apenas acasos vazios de significado. Coincidências tão aleatórias quanto banais. Para isso justificar isso, ela utiliza desde o cientista Carl Sagan até o Big Bang numa montagem que dá ao filme uma característica de “destino cósmico”. Mas vale mencionar que embora dessa vez tal recurso ofereça alguma informação, ainda que de maneira um tanto preguiçosa, ao longo da obra ele interrompe a narrativa para oferecer fatos que pouco ou nada contribuem com a história central. Qual a diferença faz, por exemplo, entender como foi escolhido o nome de Daniel ou como seus pais decidiram seu futuro como médico? Enfim, a introdução de Natasha como uma mulher nada romântica serve como prévia da introdução de Daniel, onde o design de produção indica que ele é o oposto dela ao montar seu quarto com uma pilha de livros da poetisa Emily Dickinson, fotos do influente rapper Tupac Shakur, bola de futebol, música, etc, e um caderno de anotações onde, num devaneio aleatório, ele escreve entusiasmado Deus Ex Machina – frase que cobre as costas do casaco que Natasha usa durante o filme.

Deus ex machina é um artifício narrativo muito pouco quisto por críticos em geral – por mim, inclusive – pois, tal como qualquer outro elemento dentro de uma obra artística, seu uso depende do seu objetivo e, boa parte das vezes, ele é utilizado apenas como uma saída preguiçosa para um problema que o roteiro criou e não soube resolver. Esse artifício (vindo diretamente do teatro da Grécia antiga, ou seja, desde séculos antes de Cristo) pode ser traduzido literalmente como “Deus surgido da máquina”. Mas em O Sol Também é uma Estrela, Daniel, maravilhado com a coincidência/obra do destino de ver essa frase no casaco de Natasha, aquem ele não conhecia, no mesmo dia em que a escreveu em seu caderno de poemas, altera seu significado para “abra seu coração para o destino”. Isso já estava implícito, mas fica claro que o roteiro e a direção determinam que a eficiência do romance dependerá da força e maleabilidade da sua suspensão da descrença. Quando mais você conseguir relevar, melhor. “Abra seu coração para o destino”, pede a obra, e eu respondo com uma pergunta: o que é destino?

O Sol Também é uma Estrela não possui interesse em responder isso, mas apenas em utilizar a abrangência do que seria o destino – através dessa sincera, mas um pouco desleal redefinição de Deus ex machina – para justificar a improbabilíssima série de coincidências que aproximam Natasha e Daniel. E ao longo de tantos acasos, a direção de Russo-Young não para e nem cansa de repetir coisas que já haviam sido entendidas da primeira, da segunda, terceira vez... . Como, por exemplo, as duas histórias sobre “aceitar o destino” que acontecem em sequência. A primeira é crucial, pois indica o viés da trama e, por si só, não precisaria de reforço. Ela surge do pai de Natasha que diz à filha:“aceite seu destino” enquanto a vê aflita e em busca de qualquer apoio legal pois eles serão deportados em 24 horas. São uma família de imigrantes jamaicanos ilegais. Mas não satisfeito, ou talvez duvidando da capacidade de entendimento do público, o roteiro e a direção freiam a narrativa e reforçam a ideia de destino com outra história, mas dessa vez sem qualquer sutileza. Ainda sem se conhecerem, Daniel (quase um stalker) e Natasha ficam presos no metrô após uma falha técnica e o condutor resolve contar uma breve história aos passageiros indignados com o atraso. A história é sobre seu amigo que, se não fosse o atraso do trem, ele estaria no World Trade Center no fatídico dia 11 de setembro de 2001. A sequência me fez revirar os olhos por tamanho exagero. O roteiro utiliza até esse trauma do consciente coletivo estadunidense para forçar goela abaixo que aceitar o destino (ou qualquer acaso) é a melhor solução para tudo. Mas, ao mesmo tempo, é o filme mostrando a sua verdadeira cara: repetitivo. Tal como quando mostra Daniel a caminho da sua entrevista para a prestigiada universidade de Dartmouth. O plano aberto funciona para mostrar a personalidade dele através da roupa, cujo terno sugere o futuro, mas o tênis, incompatível com a roupa, a realidade da sua personalidade. Só que, não satisfeita, Russo-Young dá um close nos tênis, reafirmando aquilo que já havia sido apresentado. E essas reafirmações se estendem por toda a obra, principalmente de inúmeros planos de Nova Iorque, sempre entre intervalos dos desdobramentos da relação de Natasha e Daniel, cujos objetivos não parecem ir além de um lembrete de que “ei, tudo se passa em Nova Iorque, não se esqueça”. E uma trilha sonora incidental romântica e genérica para romantizar tudo ainda mais.

Mas, afinal, por que disse lá no primeiro parágrafo que meu envolvimento com a obra foi um acaso involuntário? A resposta parte da grande inconsistência do roteiro. Ao elaborar um filme que romantiza acasos como obras do destino – o que permite que qualquer coisa seja justificada por isso, tal como todo o desdobramento do ciclista –, a direção esquece que caso Natasha tivesse simplesmente aceitado seu destino e começado a empacotar as malas como a mãe sugeriu, ela jamais teria conhecido Daniel. Foi exatamente sua relutância em aceitar passivamente algo que ela não quer que iniciou a cadeia de eventos que culminou no dia mais importante de sua vida. O Sol Também é uma Estrela é uma ode à passividade cega, à justificava incoerente do Deus ex machina  como algo satisfatório quando, na verdade, isso não passa de uma resposta preguiçosa para nossos anseios. Aceite, diz a obra, pois o universo sabe o que faz. Não, eu respondo, pois o próprio filme demonstra que o valor nasce do questionamento e da atitude, mesmo quando tudo parece ser em vão já que as chances são praticamente nulas.

Portanto, o que é destino? Pelo filme, a passividade. Após um acaso, (“por acaso meu pai estava trabalhando na cozinha no dia que a imigração fez uma batida surpresa”, conta ela), Natasha moldou o próprio destino através da não-aceitação dele. Com isso, mesmo que de maneira acidental e indireta, eu consigo concordar com O Sol Também é uma Estrela.


Data de estreia: 16 de maio
Título Original: The Sun Is Also a Star
Gênero: Romance, Autoajuda
Duração: 1h40
Classificação: Livre
País: Estados Unidos
Direção: Ry Russo-Young
Roteiro: Tracy Oliver, adaptação de obra de Nicola Yoon
Edição: Joe Landauer
Cinematografia: Autumn Durald
Música: Herdís Stefánsdóttir
Elenco: Yara Shahidi, Charles Melton, Keong Sim, Jake Choi, John Leguizamo



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