Dia do Índio: criptomoedas indígenas e uma lição de economia de 500 anos atrás

in dlike •  6 years ago  (edited)

Dhared From Dlike

Ontem, dia 19 de abril, foi Dia do Índio no Brasil e dentro das atividades da Mobilização Nacional Indígena esta semana (de 24 a 26/4) deve acontecer, mesmo diante das forças de repressão do governo, o Acampamento Terra Livre 2019 em Brasília/DF. Lembrei que em janeiro compartilhei aqui a interrupção do projeto da Funai com a UFF - Criptomoeda indígena, projeto interrompido no Brasil se juntaria a outras iniciativas no mundo - e pesquisando sobre os projetos citados descobri este artigo (link no final do post) publicado semana passada contando a ascensão e queda da Mazacoin (http://www.mazacoin.org), criptomoeda criada em 2014 supostamente para apoiar os índios nos EUA.

O artigo foi publicado no site Publish0x, que também recompensa com criptomoedas como aqui, mas diferente do Steem blockchain não pretende ser uma rede social (focando apenas na plataforma de blogs) nem utilizar apenas tokens próprios. A autora utilizou como fonte o estudo publicado no site acadêmico First Monday - Indigenous cryptocurrency: Affective capitalism and rethorics of sovereignity (Criptomoedas indígenas: Capitalismo afetivo e retórica de soberania) - que citei no post anterior. Descobri tb esta dissertação - Currency as Communication in Native American Communities (Moedas como comunicação em comunidades indígenas norte-americanas) - que tb estudou a Mazacoin e foi apresentada na Universidade do Oregon ano passado.

Já a criptomoeda Indigen (https://www.indigen.foundation), negociada sob a sigla IDG, está valendo U$ 0.005 segundo o site @coingecko, que indica a MazaCoin (MZC) como atualmente inativa. Talvez para estes projetos darem certos teriam que levar em conta a visão econômica das culturas e das nações indígenas. O que consideramos riqueza, prosperidade, renda e ganho podem não ser a mesma coisa para diferentes povos nativos. Como podemos perceber naquilo que foi o primeiro relato (talvez único) registrado de um índio Tupinambá, reproduzido pelo francês Jeán de Lery em seu livro impresso em 1578 - Histoire d’un voyage faict en la terre du Brésil (História de uma viagem feita na terra do Brasil, ou simplesmente Viagem à terra do Brasil) - cujo trecho abaixo foi publicado no blog da BBM (Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin): A Lição dos Tupinambás a um Francês do Século XVI.

“Os nossos tupinambás muito se admiram dos franceses e outros estrangeiros se darem ao trabalho de ir buscar o seu arabutan [pau-brasil]. Uma vez um velho perguntou-me: Por que vindes vós outros, maírs e perôs (franceses e portugueses) buscar lenha de tão longe para vos aquecer? Não tendes madeira em vossa terra ? Respondi que tínhamos muita mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos, como ele o supunha, mas dela extraíamos tinta para tingir, tal qual o faziam eles com os seus cordões de algodão e suas plumas.


Retrucou o velho imediatamente: e porventura precisais de muito? Sim, respondi-lhe, pois no nosso país existem negociantes que possuem mais panos, facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podeis imaginar e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam carregados. — Ah! retrucou o selvagem, tu me contas maravilhas, acrescentando depois de bem compreender o que eu lhe dissera: mas esse homem tão rico de que me falas não morre? — Sim, disse eu, morre como os outros. Mas os selvagens são grandes discursadores e costumam ir em qualquer assunto até o fim, por isso perguntou-me de novo: e quando morrem para quem fica o que deixam? — Para seus filhos se os têm, respondi; na falta destes para os irmãos ou parentes mais próximos. — Na verdade, continuou o velho, que, como vereis, não era nenhum tolo, agora vejo que vós outros maírs sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem! Não será a terra que vos nutriu suficiente para alimentá-los também ? Temos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que depois da nossa morte a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados.

Este discurso, aqui resumido, mostra como esses pobres selvagens americanos, que reputamos bárbaros, desprezam àqueles que com perigo de vida atravessam os mares em busca de pau-brasil e de riquezas. Por mais obtusos que sejam, atribuem esses selvagens maior importância à natureza e à fertilidade da terra do que nós ao poder e à providência divina; insurgem-se contra esses piratas que se dizem cristãos e abundam na Europa tanto quanto escasseiam entre os nativos. Os tupinambás, como já disse, odeiam mortalmente os avarentos e prouvera a Deus que estes fossem todos lançados entre os selvagens para serem atormentados como por demônios, já que só cuidam de sugar o sangue e a substância alheia.”

(Viagem à terra do Brasil – capítulo 13)

Este capítulo resume o choque de visões entre as civilizações, que talvez por causa do pensamento diferente em relação ao meio ambiente e da natureza acabou resultando em extermínio e massacre. Dos Tupinambás por exemplo, além da fala do velho eternizada no capítulo acima não sobrou muita coisa, sei que tem um manto de plumas vermelhas de guará em algum museu na Europa. No site O Eco, este artigo comenta o trecho do livro e outras referências ecológicas no Brasil e na América Latina: Jean de Léry, o pau-brasil e o velho Tupinambá. Dias atrás a revista The Economist publicou sobre um intelectual peruano que iniciou o resgate nos anos 20, da arte e a filosofia indígena - The wisdom of José Carlos Mariátegui - criador da revista Amauta (O Inteligente na língua quéchua), mostrando que a reincorporação dos valores dos povos originais vem ajudando a construir uma identidade latino-americana.

Voltando para os ativos digitais, o site The Block Talk relembrou a violência da pressão e visão econômica diferente no período da conquista do oeste nos EUA e indagou Can the Blockchain Empower Indigenous Communities (O blockchain pode empoderar as comunidades indígenas)? E o cancelamento do projeto da criptomoeda indígena brasileira, apontada como um ato exemplar de rigor fiscal e administrativo do novo governo, pode virar mais uma prova de preconceito caso a discutida implantação de eventuais tokens do Banco Central e do BNDES recebam apoio e financiamento, sem causar nenhum alarde.


Publish0x - Mina Down - The Rise and Fall of a Tribal Cryptocurrency. MazaCoin is a cryptocurrency that tried to bring together two very different communities: cryptocurrency maximalists and a North American indigenous tribe looking to assert its sovereignty...


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Cada vez mais me torno adepto da visão simplista do chefe tupinamba.

Voçê recebeu um voto de 10% da curadoria @pataty69 que apoia o rodízio do pt-gram

ptgram

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Uma visão simples mas que não é fácil concretizar. Tem pesquisas recentes investigando a posição das castanheiras nas florestas para provar uma teoria de que foram espalhadas pelos antigos indígenas, pois coincidem com as trilhas entre tribos e as cidades das civilizações andinas. Imagina se o mesmo aconteceu com araucárias, cajueiros, palmeiras de açaí e palmito, etc. O que parece natureza selvagem pode ser um tipo de plantação avançada e integrada, fruto de gerações :-) Valeu! Sucesso e boa sorte mais uma vez!!

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Hi @wagnertamanaha!

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Muito Bom! Acho que você conseguiu extrair o mais importante desse tema, o choque de cultura e valores entre os povos indígenas, e entre as diferentes culturas brasileiras.

Fica evidente como somos um misto de culturas, essa é a maior riqueza que temos, e não aproveitamos por preconceitos e pré suposições.

É uma ótima discussão. Valeu!

Matheus,
https://imaginariovirtual.com/
https://matheusguimaraes.blog/

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Valeu! Lembrei agora de um estudioso que escreveu um artigo comparando o bitcoin com as moedas de pedras gigantes usadas como dinheiro em uma tribo na micronésia :-) Sucesso e boa sorte mais uma vez!!

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