Entrevista com o Master Iain Armstrong

in entrevista •  7 years ago  (edited)

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O Master Iain Armstrong é o responsável pelo Nam Yang Kung Fu Retreat em Pai na Tailândia. Ele e a esposa fundaram o retiro em 2007 e é neste mágico lugar que o Master Iain vive e ensina todos os que aparecem no retiro.
O Master Iain Armstrong já tem mais de 35 anos de Kung Fu e foi treinado pelo Grand Master Tan Soh Tin em Singapura. Já escreveu para revistas de artes marciais, já foi campeão mundial, já treinou diversos grupos e equipas um pouco por todo o mundo, já lavou o corpo em vidro partido e fez inúmeras demonstrações das artes de Kung Fu e Chi Kung, inclusivamente com a presença da Rainha de Inglaterra, e faz parte do British Council for Chinese Martial Arts. Poderão ler uma biografia mais completa do Master Iain no site do Nam Yang Kung Fu Retreat.
Mas passando as apresentações formais, o Master Iain é uma das pessoas mais fascinantes que eu alguma vez conheci. Um verdadeiro Dr. Charles Xavier a dirigir uma Escola onde as pessoas procuram descobrir e fortificar as suas capacidades. Fiquei rendida ao Nam Yang Kung Fu Retreat conforme referi neste post e é muito provável que regresse a este lugar místico.
Tive o privilégio de entrevistar o Master Iain Armstrong, que nos dá uma visão do Kung Fu, do Chi Kung e da vida, em exclusivo para os leitores do Skin at Heart:

1 – O quê que o atraiu para o Kung Fu? Quando e como é que ficou rendido ao Kung Fu? Porquê que escolheu este caminho?
O que me atraiu para isto foi:
1 – Artes Marciais
De onde eu venho em Inglaterra, a cultura é que tem de se ser o tipo mais duro e o mais destemido. Depois de algum tempo em se ser assim por instinto natural, tem de se treinar para ser melhor.
2 – Kung Fu em oposição a outras Artes Marciais
Primeiro eu pratiquei boxe, mas não gostava particularmente daquilo. Quando fui para a Universidade, eles tinham um Clube que praticava Kung Fu Chinês. E o Kung Fu Chinês, tal como as Artes Marciais, tem cultura, tem história, tem filosofia, tem tradições, tem etos. É dessa forma que as pessoas ocidentais aprendem sobre todas estas coisas.
Estávamos nos anos 70/80, o mundo não era como é agora e o estudo de Kung Fu Chinês oferecia-me muito mais do que apenas a luta, o que era – para mim – importante.
Agora é mais fácil viajar e também temos a Internet. Era muito mais difícil aprender algo nessa altura do que é agora. Eu queria ter a certeza de que estava a aprender bem.
Eu trabalhei como Professor numa Escola e depois iniciei o processo de me juntar aos Fuzileiros. Mas depois sugeriram-me que me tornasse um Professor de Kung Fu. Então eu fui ao curso de seleção dos Fuzileiros e, no segundo dia, eu já tinha decidido que ia ser um Professor de Kung Fu e não um Fuzileiro.
Isto foi por volta de 86 e desde então eu nunca tive nenhuma dúvida que era isto que eu queria fazer, este era o meu propósito de vida. Sendo como muitos jovens – eu não sei se é o mesmo agora como era nesses dias – mas nós costumávamos lutar muito (luta corporal) e, à medida que nos tornamos mais velhos, torna-se mais sério, por isso quando eu tinha 23 anos, vi muitos dos meus amigos a irem para a prisão por muito tempo e pessoas a serem magoadas gravemente e, depois, obviamente muitos têm problemas com álcool e drogas e semelhante, por isso por essa altura eu tomei a decisão que o Kung Fu era o meu caminho, eu sabia que precisava de algo para sair disso. Por isso essa foi a minha saída. Essa foi a minha rota para escapar. E eu acho que é muito triste que muitos adolescentes sejam colocados na prisão e 25 anos depois deixam-nos sair e toda a sua vida foi desperdiçada. Vai-se de ser um jovem de 17 anos para ser alguém a meio dos 40 e, subitamente, sai-se da prisão e depois o que se pode fazer?
As portas do Kung Fu estão abertas para qualquer um.
Muitos Professores de Artes Marciais, ensinam para ganhar dinheiro, para que quando tiverem dinheiro possam fazer o que quiserem. Se eu ganhasse a lotaria amanhã, então eu teria uma Escola de Artes Marciais maior e melhor. Mas eu não quereria estar em nenhum outro lugar diferente do que estou agora! Esta é a vida que eu escolho em cada dia. Eu não o faço para ganhar dinheiro, eu faço porque é o que eu quero fazer mais do que qualquer outra coisa.
2 – Olhando para traz, para o jovem que era, o que lhe diria agora?
Eu diria para aprender a usar o suave, tal como o duro e aprender o Kung Fu da mente, não apenas o Kung Fu do corpo.

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3 – À medida que cresce no seu caminho quais são os principais desafios que encontra e como os ultrapassa? O que o motiva para continuar a aprender?
Os desafios estão constantemente a mudar e quando encarado com um novo desafio, sei que isso significa aprender novas capacidades para o ultrapassar.
No sentido físico, o meu desafio é um corpo a envelhecer, agora tenho 55 anos e o meu corpo é muito diferente do que quando tinha 18.
No sentido de ensinar, a nossa Escola está a crescer rápido e o que estou a ter de fazer é criar mais estrutura e isso é uma novidade para mim.
Para além disso, o mundo está a mudar mais rapidamente do que nunca e eu tenho de me manter a par disso. Agora temos de considerar coisas como que software usar ou o que fazer com as redes sociais e isto não eram questões com que um Professor tivesse de lidar no passado! Todo o tempo nós temos de mudar, temos de nos desenvolver e – por isso – a chave é nunca parar de aprender. O Kung Fu é um modelo da vida, nunca se acaba, é-se sempre estudante, está-se sempre a aprender. Se se compreender isso, então não há razão para não se ser bem sucedido.
4 – Como é que um ser humano se torna mestre de si próprio?
Bem, a maioria das pessoas nunca se torna isso.
Se se considerar filosofias como o Budismo, Taoismo, Confucionismo, que são as predominantes na Cultura Chinesa ou no Kung Fu. O objectivo em todas elas é tornarmo-nos mestres de nós próprios. Por isso um bom lugar para começar é estudar estas filosofias. Em última instância, o Kung Fu é sobre nos tornarmos o nosso próprio meste. É o trabalho de uma vida.
5 – Como é que se pode pôr o Kung Fu por palavras, quando na realidade está para além das palavras?
Não se pode! Cada pessoa tem o seu conceito de Kung Fu e do que é um Mestre de Kung Fu, apesar de não se poder pôr por palavras o que é o Kung Fu, e não existirem duas pessoas que tenham o mesmo conceito de Kung Fu.

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6 – O Kung Fu não se pode aprender nos livros. Tem de ser experienciado. Essa pode ser uma das principais razões que a torna uma arte tão secreta no sentido que não existe muita literatura sobre o tema. Tem de ser passado de uma força viva para outra. Nessa medida, qual é a relação entre o Mestre e o Aprendiz? Como é que eles se encontram? É automático, como um clique ou é um processo crescente?
A relação é tal e qual como a de um pai e um filho.
Algumas frases que temos no Kung Fu:
“O mestre não distingue entre santos e pecadores: as suas portas estão abertas para todos.”
“O que é um homem bom, senão um professor do homem mau? O que é um homem mau, senão o trabalho de um bom homem?
“Quando o tempo é certo, o estudante encontra o mestre.”
As duas primeiras são do Tao Te Ching, um dos textos filosóficos Chineses mais importantes.
7 – Como é que o aprendiz é testado? É algo que o Mestre sabe automaticamente quando o conhece ou é algo que se desenvolve à medida que a energia do Mestre cresce no Aprendiz?
O professor testa constantemente o estudante. É essa a via do Kung Fu. E o professor estabelece constantemente mais desafios, que é o que fazem o estudante desenvolver-se. E em termos de escolher os estudantes, eu não escolho o estudantes, os que não são apropriados removem-se a eles próprios. No Kung Fu os valores de carácter são a chave e as pessoas que não possuem os valores de carácter, no final acabam por desistir.
8 – Quais são as características mais importantes que alguém que deseje comprometer-se com o Kung Fu necessita ter presente?
Diligência, preserverança e abertura para aprender. A última é a chave, uma mente aberta.
9 – O quê que aprender e a transmissão desta força de vida significam para si?
A maioria das pessoas quer fazer algo bom com as suas vidas. Esta é a minha oportunidade de fazer isso. Ao fazer isso eu encontro alegria na minha vida.

10 – De certa forma, acho que se pode dizer que alguém que segue o caminho do Kung Fu tem duas famílias: a família do Kung Fu e a Família Privada. Como é que estas duas famílias se tocam na sua vida? Como encontra equilíbrio entre ambas?
Mantendo-me fiel aos princípios que eu ensino e tentando viver uma vida boa, ser bom para as pessoas, assim é bastante fácil ser bem sucedido em ambas as famílias.
Esta escola de Kung Fu é tanto um feito da minha mulher, como é meu. Não teria acontecido sem ela. Estou muito consciente disso. Apesar de não se ver, há duas pessoas a gerirem esta Escola de Kung Fu. E num relacionamento, ter um objectivo comum é um excelente factor.
11 – Qual é a relação entre Qi (ou Chi*) e Consciência?
Qi é energia. E para elevar a consciência, ajuda primeiro elevar a energia. Outra forma de dizer a mesma coisa é que o Qi é a energia que alimenta a consciência, por isso fortalecer o Qi ajuda a colocar-nos no caminho de elevar-nos a nossa consciência.
E depois outra forma diferente de responder a esta questão ou outro elemento da resposta é: Qi é respiração e respirar está intimamente ligado com o espírito, de facto, respirar é o que une a mente, o corpo e o espírito. E a respiração é o Qi.
12 – No seu livro “Get Your Health Back Fast with Chinese Chi Kung” refere a relação complexa entre sexo e Chi e como isso afecta os homens e as mulheres de maneiras diferentes. Pode dizer algumas palavras sobre as mulheres e essas diferenças?
A Mulher tem um grande poder, um poder profundo. De certa forma, tem um poder maior do que o Homem. A Sociedade quase que manipula a Mulher para a enfraquecer e para disfarçar o seu poder inerente para que não o veja. Eu acho que se pode libertar esse poder interior, simplesmente começando por apreciá-lo. Construir as suas qualidades inerentes e a sua feminilidade inerente. Parar de buscar respostas fora de si própria e olhar para dentro.

13 – Como é que alguém pode implementar o Kung Fu na sua vida diária duma perspectiva ocidental de “vida diária”?
O Kung Fu é uma forma de vida, por isso se não o viver 24h, não é verdadeiro Kung Fu. Cada respiração é Kung Fu! Cada momento que se interage com outra pessoa é Kung Fu, cada movimento que se faz é Kung Fu e a lista continua. Quando se inicia, claro que o Kung Fu é o que se faz na aula, mas quando se começa a chegar lá, Kung Fu é cada aspecto da vida!
14 – Perseverança e fluir parecem ser as palavras chave no que toca ao Kung Fu. Como é que se pode cultivar perseverança?
A chave é: conhecer-se a si próprio. E a barreira para a maioria das pessoas é realmente olhar para si próprio, pois é muito difícil e assustador. Enfrentar as nossas fraquezas, os nossos traços de mau carácter, é para a maioria das pessoas demasiado duro, por isso passam pela vida a escondê-las, reprimi-las, evitá-las. Se quiser ser mestre de si próprio, primeiro tem de se conhecer a si próprio.
“Conhecer os outros é inteligência, conhecer-se a si próprio é verdadeira sabedoria; ser mestre dos outros é força, ser mestre de si próprio é verdadeiro poder.”
A questão é: o mais difícil de fazer é olhar para si próprio.
15 – Quando podemos esperar o seu próximo livro?
Não o esperem no próximo ano. Ainda está a ser criado. Será mais sobre a filosofia do Kung Fu ou o Kung Fu da mente!
16 – Algumas últimas palavras que gostaria de partilhar com os leitores do Skin at Heart?
No Kung Fu, para ser bem sucedido, só precisa de duas coisas: começar e nunca desistir!

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Para saber mais informações espreite o site do Nam Yang Kung Fu Retreat!

*Na Medicina Tradicional Chinesa, Qi ou Ch’i é a força vital parte de qualquer organismo vivo. O Qi traduz-se literalmente como “respiração”, “ar” ou “gás” e figurativamente como “energia material”, “força de vida” ou “movimento de energia”. Pode ler mais sobre este tema no esclarecedor Get Your Health Back Fast With Chinese Chi Kung do Master Iain Armstrong, o livro que estou a ler presentemente e que voltarei a mencionar num post futuro.

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