Os herdeiros de Sochangana
Muzila e Mawewe eram dois dos filhos de Sochangana que, após a morte do pai, envolveram-se numa disputa entre ambos, cada um deles desejando o “trono” do Império de Gaza . Como já foi referido, aquando do estabelecimento definitivo de Sochangana em Chaimite, Muzila teria sido encarregado de recuperar território a norte do Save, território que governaria como senhor absoluto desde 1842 até à morte de seu pai . Segundo Rita-Ferreira (1974) as fontes escritas relativamente às razões do conflito entre os dois irmãos são demasiado confusas. No entanto tentar-se-à aqui apontar algumas informações consideradas importantes para que se compreendam, dentro do possível, as origens do conflito. Na obra de Rita-Ferreira (1974), é referido Mcall Theal, que afirma que Muzila teria incorrido no ódio de seu pai, e posteriormente ver-se-ia obrigado a refugiar-se no Transval. Na mesma obra alega-se também que Mawewe seria o legitimo sucessor de Sochangana, visto que o lobolo de sua mãe haveria sido pago pelo povo, e que ainda em criança teria sido indigitado como sucessor, e Muzila, apesar de primogénito do monarca, teria sido escolhido como ikhohlwa, chefe da secção júnior da família . Já segundo W. Mhlanga, o conflito deveu-se ao facto de apesar de Mawewe ser mais velho do que Muzila, e oriundo de uma “casa” de maior importância, Muzila, pela sua experiência e os seus feitos – talvez até relativos às conquistas a norte do Save – teria sido escolhido para substituir o já falecido Sochangana . Outros autores ainda corroboram a versão de que Mawewe teria sido efectivamente escolhido pelo seu pai como o futuro monarca de Gaza mas, por sua vez, a população estaria muito descontente com o comportamento desumano de Mawewe para com eles, e teriam então apoiado Muzila na sua ascensão ao poder .
A grande guerra da sucessão teve o seu início em 1860 . Mawewe, apoiado pelos seus tios, rapidamente enviou regimentos para atacar os territórios a sul e norte do rio Save que se encontravam sob o domínio de Muzila . Sendo derrotado nos confrontos com o seu irmão, Muzila procurou refúgio com muitos Tsongas junto de João Albasini, situado no Transval Norte .
Novamente, é de referir que o governo despótico de Mawewe desagradava aos seus súbditos, e Muzila, apercebendo-se do descontentamento popular, e apoiado por um régulo Cossa, de Magude, teria procurado fazer frente ao seu irmão, travando esta batalha entre Chinhanguanine e Maholela, da qual acabou por sair Muzila derrotado . Refugiou-se posteriormente em Lourenço Marques, onde reorganizou as suas forças, e voltou então a enfrentar o seu irmão numa batalha entre Matola e a Moamba, da qual saiu vencedor . Sabe-se que a 1 de Dezembro de 1861, Muzila apresentou-se no presídio de L. Marques solicitando auxilio militar para confrontar o seu irmão, em ofereceu a sua submissão à Coroa de Portugal . O governador da altura, Onofre Lourenço Duarte, apercebendo-se da relevância de tal acontecimento, lavrou uma acta com as condições do acordo, posteriormente aprovada pelo Governo Central . Mawewe, agora derrotado, viu-se obrigado a partir, refugiando-se na Suasilândia .
As hostilidades entre os dois irmãos não ficaram no entanto por aqui. Muzila, achando o seu poder consolidado, partiu para o norte, território que lhe era familiar, pois já tinha sido senhor das referidas terras, no tempo de vida do seu pai . Aproveitando-se agora Mawewe da ausência do seu irmão, invadiu novamente o sul de Moçambique, desta vez na liderança de um exército swazi, demonstrativo talvez das relações que existiam entre o déspota e este grupo .
As incursões de Mawewe não se limitavam ao ataque a Muzila e seus súbditos. Em 1863, este saqueou as Terras da Coroa, apoderamdo-se de gado, marfim e fazendas, chegando ainda a ameaçar o próprio Presídio . É ainda de referir que, à semelhança das forças Zulu que atacaram Sochangana no Sul de Moçambique, os regimentos swazi sofreram um avultadíssimo número de baixas devido às doenças tropicais e à sede, tal era a insalubridade da água e do território, ao ponto dos Swazi se rocusarem em voltar a auxiliar Mawewe na sua demanda .
A derradeira derrota de Mawewe foi-lhe inflingida nos campos do Intimane, exilando-se novamente na Suazilândia . Rita-Ferreira (1974) refere que este terá falecido no exílio em 1872. No entanto aponta para outras fontes que indicam o ano de 1872 como a data do seu falecimento, data que alguns documentos oficiais portugueses parecem confirmar .
Muzila
À semelhança de seu pai, Muzila também se movimentou dentro do território de Gaza, mudando a sua capital para diferentes locais . A sua primeira capital foi erguida no actual Posto de Chibava, mudando-se posteriormente para Mandlakazi, Tchametchame, e em 1874 para Buchanibude .
As relações hostis que manteve durante alguns ano, por terem auxiliado Mawewe, foram “resolvidas” pela criação de uma “terra-de-ninguém”, completamente desabitada, e com uma extensão de 4 dias de marcha, delimitada pelos rios Sabié e Incomáti . Também as relações com outro grupo Nguni, os Ndebele, foram diplomaticamente definidas, sobretudo depois de Lubengula, soberano Ndebele, que pouco depois de ter subido ao trono, em 1868, enviou a Muzila uma oferenda de gado bovino . Em 1879, por exemplo, uma das filhas de Muzila, Kwalila, foi tomada como principal mulher de Lunbengula, após longas negociações. Podem entender-se estas opções de carácter estratégico e diplomático como uma forma de Muzila sedimentar o seu poder e o do seu império, pela estratégia e pela diplomacia. Não se pense no entanto que este se tratou de um período “pacifico” no território de Gaza. Os saques aos autóctones, sobretudo no Transvaal Norte, eram recorrentes, sobretudo se estes possuíssem gado, passando pela destruição dos campos de cultivo, e pelo constante empobrecimento dessas populações . Havia populações abandonadas, cujos habitantes optavam por se esconder no mato, receosos das depredações . Novamente uma forma de assegurar o poder do soberano pelo empobrecimento e enfraquecimento dos grupos que eventualmente se poderiam revelar contra o poder de Muzila. As incursões a território considerado hostil, não se ficaram pelo Transvaal, como referido, estendendo-se aos Montes Spelonken, e aos povos do sul da actual Rodésia .
Já as relações com os Portugueses, segundo Rita-Ferreira (1974), eram revestidas de uma certa ambiguidade. É de recordar que, na necessidade de consolidar as suas forças e conseguir apoio militar e politico para retaliar os ataques de Mawewe, Muzila teria oferecido vassalagem à Coroa Portuguesa, e teria sido apoiado por João Albasini e a sua força militar . No entanto, tendo em conta que a ocupação portuguesa do interior do território do actual Moçambique era quase insignificante, não representariam estes uma ameaça para Muzila e o seu Império . Considerando o acto de vassalagem uma mera formalidade, nas palavras de Rita-Ferreira, continuou a exigir o pagamento de tributos, ao ponto de os habitantes de Sofala terem que cotizar-se para cumprirem as existências do monarca. Foi por sua causa, aliás, que Sofala acabou por ser abandonada em 1870, transferida a administração portuguesa para Chiluane . Até a João Albasini e aos seus caçadores levantou dificuldade, afectando profundamente os seus negócios resultantes, em parte, dos caçadores de marfim . Os caçadores de Manuel António de Souza foram também expulsos da região entre-os-rios Buzi e Revuè . As hostilidades não foram pacificamente recebidas por alguns portugueses que decidiram enfrentá-lo, acabando por sair derrotados, procurando refúgio em Maforga, Gondola e Bandula . As fortificações que aí ergueram não foram suficientes para, pelo menos dissuadir as hostes de Gaza, vendo-se novamente obrigados a fugir, desta vez para a Serra da Gorongosa, por sinal o único local entre toda a região do Save ao Zamabeze que nunca pagou tributo aos monarcas de origem Nguni .
Diferente foi, por sua vez, a relação entre Muzila e os Portugueses de Inhambane apoiados por (Bi)tongas e parte dos Chope, estes últimos fugindo dos ataques das forças de Gaza . Comandados por João Loforte, ou “Nhafoco”, como era conhecido por alguns tal era a sua reputação, que entre 1869 e 1877 “manteve os inimigos em respeito” . Mandou aliás, enforcar os induna que sob o comando de Muzila tentaram cobrar tributos nas Terras da Coroa dependentes do Governo de Inhambane . É de salientar também as excelentes relações que Muzila manteve com Dioclesiano das Neves, de tal modo que aquando do falecimento deste, em Fevereiro de 1883, na Margem direita do Limpopo, o monarca enviou dois regimentos para lhe prestarem honras fúnebres .
Na relação com outras potências europeias, nomeadamente os Ingleses, Muzila mostrou-se bastante mais diplomático, enviando, por exemplo, em 1870, uma representação a Sir Theophilus Shepstone, secretário dos negócios indígenas, no Natal, com o objectivo de resolver uma pendência com os Swazi, sugerir a visita de um enviado britânico, e fomentar as trocas comerciais .
Muzila estabeleceu-se naquela que viria a ser a sua última capital, Moiamuhle, anteriormente denominada Tchametchame pelos autóctnones, e Ndwengo pelos Nguni, onde viria a falecer em 1884. Moiamhule ficou posteriormente reservada às viúvas do monarca, revestindo-se, por isso, de carácter sagrado .
Fim da 3ª parte.
Veja também:
De Pastores a Imperadores: As invasões Nguni no Sul de Moçambique
De Pastores a Imperadores: As invasões Nguni no Sul de Moçambique (pt. 2)
Muito obrigado por esta parte da História de Moçambique em que vivi até á minha adolescência, e da qual desconhecia esta trama dos irmãos.
Grande concerto de recordações para a minha memória, por nomes, locais e referências e até a palavra "lobolo" (dote) que já não ouvia á muito tempo.
E ao que parece a rivalidade Norte/Sul é insolúvel.
Venha mais se possível da saga entre macuas e macondes..
Angola é um país coeso pois existe uma lingua comum falada por 97% da população, Moçambique não tem língua comum mas uma manta de retalhos de dialetos, dos quais apenas percebo o landim(xiRoronga)
Kanimambo (Obrigado)
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Excelentes textos. Se der, depois escreva um pouco sobre as crenças e religião deles.
Ptgram
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