Resposta ao vídeo "PASSEI UM ANO ME FINGINDO DE MENDIGO (não é clickbait)" (link) de Yago Martins, do canal Dois Dedos de Teologia.
Assista ao vídeo abaixo, ou leia a transcrição completa logo a seguir:
Transcrição do vídeo:
Yago Martins, do canal Dois Dedos de Teologia, se fingiu de mendigo durante um ano pra poder entender de perto a situação dos moradores de rua. Como bom cristão, Yago foi presente em projetos de caridade preocupados em auxiliar pessoas necessitadas, até que, em algum momento, Yago resolveu investigar mais de perto e confirmar uma suspeita que tá na cabeça de muita gente, mas que pouca gente diz: muitos mendigos são mendigos porque querem, porque lucram com isso. E esse interesse pela mendicância o Yago chama de "A Máfia dos Mendigos".
E, de fato, todo morador de rua carrega uma história pessoal que o levou a viver como vive. É simplesmente muito difícil reduzir todas essas realidades individuais a uma única realidade coletiva, como se bastasse agir sobre o problema social para que ele se dissolvesse a nível individual.
Quando nós, pessoas que moramos em alguma casa e que não precisam pedir esmolas nem restos de comida... Quando nós entendemos que "ninguém merece viver como um mendigo", e então fazemos um gesto simples como uma doação pra financiar um sopão pra moradores de rua de centros urbanos, temos aí uma atitude moralmente guiada. Entretanto, como o Yago parece observar, não é suficiente simplesmente agir sob algum fundamento moral. É preciso que sua agência tenha eficácia. Ela precisa fazer sentido frente ao objetivo de combater um problema que foi detectado.
E isso é algo bastante preocupante porque vai na raiz de nossos hábitos de doar sempre que nos compadecemos com alguma realidade aparente... Nós olhamos pro mendigo, nos compadecemos e damos alguns trocados. Isso costuma ser suficiente para duas coisas: 1) aliviar alguma necessidade do morador de rua e, o que talvez seja o mais importante pra muita gente, 2) aliviar a sensação de mal-estar que todos temos quando somos confrontados à realidade aparentemente triste de uma pessoa que está ali, na nossa frente.
Essa interação comum é o que podemos chamar aqui de "Caridade do Alívio", pois o objetivo não é acabar com a mendicância e solucionar esse problema social, mas justamente aliviar alguma necessidade momentânea do morador de rua e, de quebra, aliviar nosso mal-estar ao enfrentar essa realidade.
E eu acho que esse problema precisa, recorrentemente, ser lembrado frente ao grande público. Então, antes de entrar no que importa nesse vídeo, eu quero agradecer ao Yago por ter passado por essa experiência bastante peculiar, e por trazer suas conclusões a todos nós que o acompanham.
Afinal, é muito comum que as pessoas vejam a caridade como uma coisa em que o importante é fazer, sem necessariamente ser importante o "como fazer". É daí que surge o termo "fazer caridade", algo que se você faz, você é aplaudido, e se você não faz, então no mínimo você poderia estar fazendo.
Dificilmente questionamos sobre como a pessoa faz sua caridade, como ela avalia seu impacto, e se realmente avalia. Até porque pode soar arrogante cobrar de uma pessoa que ela esteja preocupada com as consequências de sua caridade, já que ela ao menos tá fazendo alguma coisa, não é mesmo?
O Yago percebe que "fazer por fazer" não é suficiente. Por isso mesmo, é preciso descobrir como fazer, fazer não apenas mais e mais, mas fazer melhor. O seu tempo, o seu dinheiro e os seus mais variados recursos não são infinitos. Não faz sentido fazer de qualquer jeito, se isso significar que você tá jogando recursos fora, e no fim das contas ajudando ninguém a melhorar de vida — ou então pior... está simplesmente ajudando a perpetuar o sistema.
Enquanto pessoas moralmente orientadas, precisamos abertamente reconhecer que recursos são escassos, e é simplesmente irracional dedicar recursos pruma causa que é ineficiente. Talvez essa imersão do Yago no mundo da mendicância tenha mais eficácia do que teve eficácia todas as vezes em que o próprio Yago deu um pedaço de pão ou algumas moedas pra ajudar pessoas que, possivelmente, não precisam realmente da nossa ajuda.
Meu ponto aqui é que precisamos sim criticar essa "caridade do alívio", mas o mais importante, para além de reconhecer o problema da má gestão de recursos, é que precisamos descobrir soluções inteligentes.
E é lidando com problemas como esse que, hoje em dia, nós, filósofos da moral, falamos sobre o Altruísmo Eficaz, que é um movimento social e filosófico que tem gerado muitos frutos ao redor do mundo. Um movimento que recorrentemente eu divulgo aqui no canal, pois eu realmente aposto todas as minhas fichas na necessidade de olharmos pro altruísmo não de modo meramente passional, mas sim de uma forma eficiente.
A grande pergunta norteadora do Altruísmo Eficaz é esta: "qual é o maior bem que podemos fazer?"
E essa não é uma pergunta ingênua ou bobinha. Na verdade, qualquer instituição de caridade que vise realmente impactar a sociedade mudando a realidade de diferentes indivíduos precisa se perguntar constantemente, por exemplo, se o dinheiro escasso que estão utilizando poderia ser utilizado de outra forma, uma forma mais eficiente, que trouxesse mais benefícios a todos os possíveis envolvidos.
E vendo por dentro a realidade de muitos mendigos, como o Yago fez, talvez não seja de se espantar que exista tanta gente vivendo de esmola quando poderia simplesmente voltar pra casa ou se dedicar a uma profissão à qual já é qualificado. Existe um sistema de retroalimentação do status quo, um sistema perverso de incentivos errados que só se perpetua porque é ineficiente.
E isso nos lembra daquele famoso ditado: "não dê o peixe, mas ensine a pescar." Esse ditado faz muito sentido nas ocasiões criticadas por Yago, entretanto existem outras situações bem mais complicadas, em que não adianta ensinar a pescar ou mesmo dar a varinha de pesca se não existe um lago e nem peixes na região onde a pessoa mora.
Em certas ocasiões, precisamos de fato dar o peixe, mas não pra simplesmente nos aliviar ou aliviar as pessoas afetadas. É preciso dar o peixe quando o peixe é excedente, é um recurso que não nos fará falta, algo que terá uma utilidade muito maior nas mãos de outra pessoa, que pode, a partir do nosso simples gesto de garantir a ela uma sobrevida, continuar perseguindo os seus próprios interesses.
Pra citar dois exemplos reais, existe uma ONG chamada Give Directly, que ajuda milhares de famílias que vivem em extrema pobreza na África Oriental, transferindo dinheiro diretamente para as mãos dessas pessoas, e as estimulando a gastar esse dinheiro com educação, alimentação, produtos de saúde, higiene e mesmo poupança. É uma ONG que dá autonomia para as pessoas afetadas, monitorando suas atividades pra ter certeza de que essas pessoas estão, autonomamente, fazendo um uso eficiente da grana que estão adquirindo. Muitas pessoas mudaram e estão mudando de vida devido a esse auxílio, um auxílio que até lembra o bolsa-família aqui no Brasil, mas que é ainda mais eficaz.
Outro exemplo é o da ONG Against Malaria Foundation, que fornece mosquiteiros de longa duração para populações com alto risco de malária, pessoas que vivem principalmente na África. A malária afeta majoritariamente regiões equatoriais, e portanto não existe apenas na África, mas também aqui no Brasil, como na região amazônica. A ação dessa ONG é tão eficiente que está ranqueada como uma das ONG mais eficazes do mundo conforme o ranking da Give Well, uma instituição sem fins lucrativos que avalia o impacto das mais variadas instituições de caridade.
E eu trago esses exemplos aqui pra mostrar a vocês que o Yago tem razão quando critica a má utilização de nossos recursos na hora de fazer caridade. Entretanto, respostas satisfatórias para esse problema já existem, e elas têm um nome: chama-se Altruísmo Eficaz.
A preocupação legítima e desafiadora de descobrir qual é o maior bem que podemos fazer em cada uma de nossas ações nos faz sermos vigilantes sobre o nosso impulso de fazer o bem. E mesmo que queiramos "fazer o bem sem olhar a quem", que ao menos olhemos para os números, para as evidências, para o real impacto que nossas doações podem fazer na vida de pessoas reais, ainda que nunca olhemos pro seu rosto ou sequer saibamos os seus nomes.
O Yago fez bem em se aproximar e escutar os moradores de rua. Entretanto, não podemos exigir que todo mundo faça o mesmo. As pessoas não têm tempo, têm outras preocupações, precisam fazer a roda girar. Olhar e ouvir atentamente os moradores de rua é papel dos profissionais do serviço social. A grande questão, para meros doadores, é se sua doação está tendo um destino eficiente, que esteja realmente mudando vidas. E se não podemos olhar no olho do morador de rua para descobrir isso, que ao menos façamos o gesto simples de descobrir quais são as melhores caridades que podemos ajudar.
Por isso, este vídeo não é apenas uma resposta ao Yago, mas um pedido sério, sincero e preocupado com as adversidades ao redor do mundo: se queremos melhorar as coisas em menos tempo e com o maior impacto possível, precisamos conhecer o que o Altruísmo Eficaz tem a dizer.
Então fica meu convite: sigam o Altruísmo Eficaz no Facebook, Twitter, Instagram e no YouTube. Estamos trabalhando arduamente pra impactar a realidade das pessoas necessitadas ao redor do mundo. É um trabalho sério e que tá gerando muitos frutos pra muitas pessoas. Eu vou deixar todos os links no comentário fixado deste vídeo.
Então, pessoal, eu vou ficando por aqui, desejo sucesso ao Yago em seus projetos e desejo, acima de tudo, que todos nós reconheçamos a necessidade de olhar um pouquinho mais racionalmente prum problema sério como esse, que é sobre como direcionar nossos recursos para buscar o maior bem que podemos fazer.
Eu vou ficando por aqui, meu nome é Alysson Augusto e nos vemos no próximo episódio. Abraço.
Conheça o Altruísmo Eficaz.
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Eu acho muito bonito qualquer demonstração de empatia que possa existir de um indivíduo para com o outro. Afinal, a empatia é a raiz de todo o agir moral, e a caridade é apenas uma das suas expressões práticas.
Porém há uma pegadinha aí. Não é porque a caridade é algo tão belo enquanto espontâneo e voluntário que temos o direito enquanto sociedade de transformá-la em algo compulsório via impostos por exemplo. E infelizmente muitas pessoas não fazem essa distinção entre a caridade espontânea e voluntária e a caridade ditatorial, compulsória, estatizada.
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