O Mito de Sísifo, para quem todo esforço é inútil.
Quando iniciei a graduação em filosofia, eu acreditava que filósofos clássicos, aqueles antigos que vemos nas escolas, eram de alguma forma "superiores" a qualquer filósofo que temos hoje em dia, afinal eles deram as bases pro pensamento filosófico. E ao longo da graduação essa ideia parecia ser reforçada, ao menos nas cadeiras de história da filosofia, vendo pensadores do passado dialogando com profundidade e mesmo em latim e grego me fazia ter a sensação de que eles eram, em alguma medida, sobre-humanos.
Hoje, já formado e estando mais habituado a ler pensadores ainda vivos, e contrastando suas ideias com as ideias dos filósofos clássicos, sinto que abandonei essa visão estereotipada de um Aristóteles inaugurando várias áreas de investigação e de um Leonardo Da Vinci sendo competente em todas as profissões em que se aventurava, como se ser bem sucedido em suas empreitadas fosse o mesmo que "estar terminantemente certo", ter dado seus tópicos por encerrados ou ter suas palavras como as últimas a serem consultadas em caso de dúvida, de tal forma que os filósofos dos dias de hoje apenas estejam criando novas firulas sobre o que já foi consolidado pelos grandes nomes do passado.
O que quero dizer é que estou convencido de que a filosofia, embora repleta de debates intermináveis, e mesmo tendo como marco pensadores históricos que, para muitos pesquisadores especializados em estudá-los, estariam de alguma forma "terminantemente certos"... A filosofia contém sim progressos.
Em outras palavras, não é como se pudéssemos colocar ao mesmo nível de validade as ideias clássicas com as ideias que estão hoje em disputa. Pensamentos clássicos serviram muito pra consolidar a filosofia em seus diferentes campos de estudo, sim, entretanto só é possível qualificar e aprimorar raciocínios quando eles já estão à mesa. Assim sendo, um filósofo atual tem à mão um arsenal muito maior de possibilidades para ser um filósofo ainda mais valioso que um filósofo cuja vida e obra já foram encerradas, e não sobrevivem se não por lembrança ou por reinterpretações.
Aliás, esse apego a filósofos em específico, muitas vezes filósofos cuja morte ocorreu há dois milênios — antes mesmo de livros terem sido inventados com a prensa de Gutenberg — é provavelmente um dos maiores entraves para fazer avançar a filosofia. Trata-se de um costume doutrinário, de filiação ideológica ao pensamento de um filósofo ou escola de pensamento, ignorando todo o resto que, muitas vezes, acaba por refutar pontos essenciais da estrutura epistêmica do raciocínio que acadêmicos de filosofia (e de humanidades em geral) costumam abraçar. É potencialmente o entrave mais ridículo (pois apenas atesta viés cognitivo) e que mais desmerece a ideia de que a filosofia seria esse "amor à sabedoria" que nos direciona à busca irrestrita e apaixonada à verdade — ora, não há qualquer apreço à Verdade quando tudo o que se faz é defender ideias pré-concebidas sem preocupação com o contraditório.
Mas, ainda que a academia brasileira esteja tomada de pessoas preocupadas com a defesa irrestrita de nomes específicos, sou muito otimista quanto ao progresso filosófico, e não me vejo mais cogitando a possibilidade de toda ideia filosófica valer igualmente a pena — ou que as ideias passadas bastam para os desafios presentes e futuros. A discriminação de raciocínios variados, jogando uns contra os outros e os verificando frente aos fatos da realidade que a ciência nos apresenta, me parece ser o norte necessário para que a filosofia continue sustentável e viva nas gerações futuras.
Se a compreensão dos "porquês" contradiz ou não se ajusta aos "comos" das ciências mais sofisticadas que a humanidade até o momento conseguiu consolidar, então que tal compreensão pereça. Não deve ser tarefa da filosofia somar esforços em justificar o injustificável. Sua tarefa deve ser, antes de tudo, aceitar a realidade tal como se apresenta para, daí sim, tentar interpretá-la à luz de nosso melhor juízo.
É importante estudar a filosofia dos antigos, até mesmo porque todo conhecimento humano progride se escorando nos ombros de gigantes, como diria Isaac Newton. Porém não basta apenas conhecer a filosofia dos antigos, deve-se sempre tentar ir além delas e dar um paço à frente a partir dela. Caso contrário deixa de ser filosofia e passa a ser meramente filologia.
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De fato temos que partir de uma base, a qual os "gigantes" consolidaram. A questão, depois, passa a ser sobre a produção de novos gigantes, gigantes de nosso tempo.
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