2ª - A Crise do Primeiro Ano
(equiparada à Reação Circular de Atenção, por Maria Rita Leal, a discutir brevemente)
pexels
O momento de crise aqui surge quando a criança começa a andar, a falar e a ter iniciativa e vontade sobre o meio externo. Esta crise será então a “construção da relação dual” entre a criança e o seu cuidador.
Surge um diálogo entre os dois, num movimento de “agora eu – agora tu”, que faz com que a criança comece a ter a certeza de que é ela que inicia a relação entre os dois, solidificando o seu sentimento de identidade.
Vygotsky enfatiza o início do andar como a marca do início desta crise, porque o andar possibilita à criança a manipulação de todos os objetos possíveis de agarrar e deitar fora.
O diálogo com os outros é expandido para os objetos, desencadeando uma relação de atenção circular por parte da criança, atenção para com os seus movimentos, para com os outros e para com os objetos.
“São coisas que podem ser agarradas, manipuladas e deitadas fora de modo repetitivo, em que todos os bebés encontram prazer na repetição do próprio gesto.” (Leal, 2010)
Esta crise é então realçada pelo jogo do “tira-põe”, “aparece-desaparece”,… O pensamento da criança processa-se ao manipular essa atenção circular, fazendo pausas para reflexão como forma de interiorizar e ordenar as experiências no cérebro.
A criança precisa de um cuidador presente, sensível e atento aos seus movimentos para criar um relacionamento seguro e consistente para nomear os objetos, num “apontar mútuo de significados partilhados” (Leal, 2010).
O brincar surge na relação com o outro e com a possibilidade de manipular os objetos e dar nome ao que se passa, transformando os instrumentos da realidade em imaginação, inventando histórias, misturando a realidade com a fantasia.
Quanto mais a criança brinca, mais se apropria dos instrumentos externos, da relação com os outros e dos eventos da realidade, precisando de se comunicar com mais intensidade com o mundo externo.
Vygotsky elege o surgimento da palavra como ponto de partida para se aprofundar a crise do primeiro ano.
A situação social suscita a necessidade de comunicação com um adulto e assim a criança começa a fazer uso dos gestos e vocábulos – a criança passa a apropriar-se da linguagem egocêntrica.
(Psicose Afetiva, por Joaquim Quintino-Aires, na sua teoria da Psicopatologia Sócio-Histórica)
As dificuldades aqui vivenciadas na relação com os cuidadores propiciam distúrbios de tipo afetivo, revelados na incompreensão da criança quanto à força das suas próprias iniciativas.
A criança não entende que o outro tem as suas próprias capacidades e dificuldades. A criança idealiza o adulto, acreditando que todas as suas iniciativas vão ser entendidas e respondidas de acordo com a sua própria vontade.
A criança entristece-se por não ser capaz de entender os limites na sua relação com os outros, com os objetos, com os eventos. Sente-se insegura nas relações afetivas com os outros e torna-se cada vez mais dependente da presença física e afetiva do outro.
pixabay
As disfunções do tipo afetivo estão presentes no Manual das Doenças Mentais (DSM-IV-TR) como Perturbações do Humor.
São descritas na Psicologia Sócio-Histórica como dificuldades nas relações interpessoais em função da não construção de um sentimento seguro de pertença nas relações sociais, desencadeando insegurança, falta de motivação para as trocas sociais, inadequação de si próprio nas relações.
O sentimento de pertença à comunidade e a partilha dos seus conhecimentos tornam-se inconsistentes, promovendo alterações bruscas nos estados afetivos de humor.
A superação destas disfunções ocorre na Psicoterapia Sócio-Histórica, à medida que a relação terapêutica dá importância às iniciativas da criança, partilhando conceitos sociais para que as palavras tenham significados mais estáveis e constantes, e para que a criança se sinta pertencente e adequada às relações sociais e, assim, se posicione de modo mais assertivo, autónomo e menos dependente dos outros.
Referência: Marangoni, S. & Ramiro, V. C. (2012). Fundamentos da Neuropsicologia Clínica Sócio-Histórica. Ed: IPAF Lev Vygotsky Brazil (São Paulo).
Neuropsicologia - Como melhorar a nossa atividade mental Parte I | Parte II
A Importância do Brincar Parte I | Parte II
A Psicologia Clínica e o Trabalho com Crianças Parte I | Parte II
O Papel da Fala – Leitura Bibliográfica Parte I | Parte II | Parte III | Parte IV
Fundamentos da Neuropsicologia – Leitura Bibliográfica Parte I | Parte II | As Crises Psicológicas - Parte I - Introdução |
Parte II - A Crise Pós-Natal