Como ateus lidam com a morte ou: O que estou aprendendo com a perda de um ente querido

in pt •  7 years ago 

Há um ano escrevi esse texto, mas gostaria de dividi-lo com vocês

A primeira pessoa próxima que perdi foi meu avô materno. Ele faleceu com 90 anos em sua cama durante o sono. Ele era saudável, mas não foi nenhuma surpresa quando faleceu, devido à avançada idade. Minha mãe esteve tranquila o tempo inteiro e, me espelhando nela, fiquei também. Não houve dor, apenas saudade.

Meu avô paterno se foi há pouco menos de 10 anos, com 81 anos, no dia 1º de abril. Poderia ser brincadeira, mas ele já estava há 30 dias na UTI devido a complicações causadas pela cirrose. Não resistiu. Eu não chorei até o momento em que fomos todos dar a notícia à minha avó, essa foi a parte mais difícil. Mas eu acompanhei o estado dele, me preparei aos poucos para o que iria acontecer e sabia que ele havia descansado.

Eu conheci Lydia na faculdade em 2011, no terceiro período. Eu não era muito social naquela época, mas a Lydia era uma das poucas com quem eu falava e brincava, eu gostava do humor ácido dela. A verdade é que só nos aproximamos, de fato, em 2014, quando decidimos fazer o TCC juntas. Quem conheceu a Lydia sabe que ela não gostava de fazer trabalho em grupo, ela me disse que eu era uma das únicas com quem ela aceitaria fazer. Fiquei muito feliz com isso.

Quando a gente precisava falar sobre o TCC pelo telefone, a gente poderia resolver a questão em 10 minutos, mas a conversa se estendia por mais de uma hora. Em tempos de WhatsApp, isso é muito raro. Eu não sei de onde a gente tirava tanto assunto, mas era muito gostoso conversar com ela.

Ela foi a segunda pessoa da faculdade para quem eu saí do armário. Eu tinha medo de contar, fiquei bem nervosa na hora, pensando em como chegar no assunto no meio da conversa. Ela não deu a mínima e me tranquilizou: não mudaria nada.

Um certo dia eu mandei uma imagem engraçada para ela pelo celular e ela demorou muito a responder. Eu estava na rua com umas amigas quando vi a notificação.

— Não estou conseguindo baixar, a internet aqui no hospital é muito ruim.
Meu coração disparou e imediatamente perguntei o que estava acontecendo. Mais uma vez demorou a responder e eu insisti.
— Pelamordedeus, não me dá uma notícia dessas e some.
— kkk foi mal. Menina, tive um AVC.

Até hoje acho inacreditável a casualidade dela em contar uma coisa dessas. Eu perguntei quando eu poderia visitar e ela disse que avisaria, por enquanto não podia. Só me deixou visitá-la quando voltou pra casa. Ela voltou outras vezes para o hospital. Me avisava, mas não queria que visitasse.

No dia 26 de janeiro desse ano, Lydia faleceu após uma curta batalha contra o câncer. Ela tinha apenas 25 anos. Ela estava internada há 20 dias e eu só fiquei sabendo no dia anterior à notícia, quando perguntei por ela para o namorado. Não sabia da gravidade do estado dela. A última vez que nos falamos foi no Natal. Eu havia me afastado, imersa nos meus próprios problemas, e ela não me contou. E essa culpa me consumiu.

Cristãos me disseram que ela sabia o quanto eu a amava, que ela estaria olhando e cuidando de nós agora. Eu respeito todas as religiões, mas eu sou ateia. Não sabia como lidar com o fato de que, para mim, ela jamais saberia como eu me sinto. Eu deixei a oportunidade de passar mais tempo com ela, conhecê-la melhor. Estávamos começando uma pós-graduação e fizemos planos de trabalharmos juntas. Nossa amizade foi muito breve, estava apenas começando.

Fiquei perdida. Mandei mensagem para ela sabendo que nunca iria ler. Conversei com ela no velório sabendo que não me ouviria. Eu estava tentando encontrar algum consolo naquele momento e percebi que esse conforto era natural aos teístas, de que existe vida após a morte.

Nesses últimos dias, eu não conseguia pensar em outra coisa. Então fiz o que é mais usual quando se quer questionar alguma coisa: perguntei ao Google.

Como ateus lidam com a perda?

O primeiro texto entre os resultados já me ajudou a responder algumas perguntas. Um físico que explicava o que ele entendia como a morte e como o próprio lidou com a morte do pai.

I know that according to the law of conservation of energy, energy can neither be created nor destroyed, but can be changed from one form to another, or be transferred from one object to another. I know that the subatomic particles that constitute you, me, and all of the matter we see around us can exist outside of the realm of time, travel through extra dimensions, and even temporarily violate conservation of energy by literally popping in and out of existence. I know there is a possibility that we’re part of a multiverse and may exist in several universes simultaneously. I know that even nothing is still something.

Esse trecho, inclusive, consegue conciliar bem a ciência com religião. É um fato de que ela está entre nós. De uma forma ou de outra, neste ou outro plano, a matéria não simplesmente desaparece. Da mesma forma que surgimos da transformação de outros elementos, perecemos de volta ao universo.

Mas o que me trouxe mais conforto foi o que Ann Druyan, esposa do Carl Sagan, diz sobre a morte dele.

We knew we were beneficiaries of chance. That pure chance could be so generous and so kind. That we could find each other, as Carl wrote so beautifully in Cosmos, you know, in the vastness of space and the immensity of time.

O universo tem 13,8 bilhões de anos. Bilhões de pessoas viveram e morreram na Terra. Teístas acreditam que tudo acontece por um motivo, todos tem uma missão na Terra. Mas eu, que acredito fielmente na aleatoriedade, agora consigo enxergar o poder do acaso.

Eu tive a sorte de encontrá-la no meio de tanta coisa que poderia ter dado errado. Quais as chances de termos nos encontrado nessa imensidão de espaço e tempo? Você poderia mudar uma condição mínima na nossa vida e, provavelmente, nunca teríamos nos conhecido.

É claro que nada disso aborda meu problema inicial de que eu perdi a oportunidade de estar mais presente. Isso terei que aprender a lidar sozinha. Mas o breve tempo que tivemos juntas foi o suficiente para ser significativo na vida uma da outra.

Boa parte do tempo eu estou triste ou com raiva. Estou tentando ficar bem, mas logo retorno a chorar. É difícil acreditar que é real. Mas sei que ela está melhor agora. Que, ao ser cremada, ela retornou ao universo. Que da matéria transformada surgirá outras vidas. Assim como ela surgiu da matéria que no universo já se encontrava.

O tempo me ajudará com esse processo. Ela viverá sempre nas memórias das pessoas que a amaram. Só restará a saudade e a gratidão por ter tido ela em nossas vidas.

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Um começo depois de uma despedida. Valeu! Bem vinda ao Steemit! Sucesso e boa sorte mais uma vez!!

Obrigada!

Durante uma parte da minha vida também fui assim, não acreditava em nada que fosse superior a nós, seres humanos. Mas a vida é violenta e faz sempre questão de nos confrontar com esta parte. Após perder algumas pessoas comecei a encarar as coisas de maneira diferente. Lidar com a morte faz parte do crescimento e acorda-nos para a realidade. Há coisas que só sabemos quando chega a nossa hora mas eu gosto de pensar que quem já perdi continua comigo sempre. E quando estou ansiosa ou aflita com alguma coisa é a eles que peço apoio. E não vale a pena vivermos em remorsos. As pessoas de quem gostamos sabem disso e normalmente não precisamos falar e estar sempre a dizer-lo. Cada um faz o que pode, mas contra a vida não se pode fazer nada. Força e calma é o que é preciso.

Parabéns pela coragem de compartilhar aqui. Infelizmente presenciei esses momentos de todas as formas, desde enfermaria oncológica, emergência e uti. A religião por vezes ajuda sim, mas nada como o amor humano, esse sim traz uma paz inexplicável.

Compreendo o que diz e lamento muito. A perda é sempre mais que isso. Vai doer na mesma, as saudades e as memórias continuarão a pulsar na gente... Eles ficam conosco, também somos eles :)

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