Qualidade de Vida nas Cidades

in pt •  7 years ago  (edited)

Se estiveres sem boas ideias, basta ir caminhar, e voltarás, no mínimo, mais íntimo delas



Andando pelas calçadas da cidade...

Primeiro tive que sair da calçada por causa de um buraco. Depois, o passeio foi se estreitando, e, quando percebi, eu já estava na rua quase sendo atropelado, então, só restou mudar de lado da rua.

Continuando minha caminhada. Mudei de novo de calçada por causa de um monte de entulho, e depois por que do lado em que eu caminhava tinha um matagal escuro, e depois por que um grupo de jovens arruaceiros estava na calçada.

Foi assim que comecei a pensar que, talvez, eu pudesse desenvolver um novo método para se medir a qualidade de vida de uma cidade interiorana. Estava certo que podia-se ter uma ideia da qualidade de vida de uma cidade medindo-se quantas vezes o transeunte precisa sair da calçada quando anda pela cidade.

Então, de repente, vi aquela pessoa vindo em sentido contrário e no mesmo lado da rua que eu. Pensei em mudar de calçada para não cruzar com ela, mas isso ia dar muito na cara. Pensava: “se, ao menos, tivesse como mudar de lado como se fosse por um outro motivo...” Então, no último instante, achei que era mais fácil simplesmente olhar para o chão.

Caminhei por alguns metros olhando para o chão, até ver, pelos cantos dos olhos, o vulto do meu desafeto passando. Ele também me ignorava. Pude sentir uma mútua e silenciosa hostilidade no ar, enquanto eu mantinha os olhos no chão, como se fosse para não pisar no lixo, que realmente surgia a cada passo.

Naquele instante, pensei em quantas vezes nos sentimos tentados a ignorar alguém quando andamos pela cidade. Vislumbrei nisso um novo método para se medir o desenvolvimento espiritual dos habitantes da cidade (inclusive o meu). Este seria um método que se basearia no princípio que explica a origem, natureza e evolução de todos os problemas urbanos. O princípio que explicaria o porquê dos obstáculos, buracos e sujeira nas calçadas...



Passando por jardim…

Numa esquina do meu bairro, as flores são perigosas. Os hibiscos caem no chão e não murcham como qualquer flor. Eles ficam “mochibentos” e escorregadios. Naquela esquina não se permite nenhum vacilo, qualquer distração você escorrega e vai para o chão. Lá os galhos da roseira invadem a calçada e exibem orgulhosas a beleza de suas rosas. Mas, se você não prestar atenção, fura os olhos nos espinhos antes de ir para o chão.

Naquela esquina há abelhas para as rosas e beija-flor para os hibiscos. Lá uma velha está sempre aguando o jardim mal cuidado. Distraída como sempre, ela não tem noção para onde está jogando água. Quando escuto aquele barulho no jardim, percebo que a qualquer instante pode vir água fria sobre mim. Então, tenho que ser rápido para sair do passeio. Porém, é preciso ser cuidadoso para não ser atropelado. Assim, olho para trás, não vejo nada, salto para rua e me esquivo do jato d’água. Mas, depois de alguns passos na rua, volto depressa para a calçada, pois logo à frente está o trecho onde sei que é mais gostoso andar.

Viro a esquina e entro no grande e variado fluxo de pessoas. Estou agora no lugar da cidade onde os olhares duram mais tempo quando duas pessoas se cruzam (segundo uma pesquisa que li em algum lugar, e também meus olhos que não param de querer se perder nos belos olhos que passam).

Então, tenho novamente uma inspiração para um método para se medir a qualidade de vida da cidade. Desta vez com foco na felicidade dos habitantes. Bastaria medir quanto tempo dura as trocas de olhares das pessoas que se cruzam nas calçadas…



Um pouco de verde e milímetros de cor

Vou caminhando e consigo encontrar coisas belas para se apreciar no gramado mal cuidado da praça.

Entre os feixes de folhas das gramíneas, eu posso ver as menores flores do lugar. Pequenas, delicadas e vivamente coloridas. Embora, eu não possa ver todos os detalhes delas, o que vejo dá o que pensar. Quem imaginaria tanta diversidade nesse lugar?



Fim

Já estou chegando em casa, e sei que nenhuma das ideias que tive possuem aplicação. Mas elas comprovam uma velha teoria: "Se estiveres sem boas ideias, basta ir caminhar, e voltarás, no mínimo, mais íntimo delas."
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