O amor, as sementes e o caminho
CÓDIGO DA ESTRADA
Artigo 12.º
Início de marcha
1 - Os condutores não podem iniciar ou retomar a marcha sem assinalarem com a necessária antecedência a sua intenção e sem adotarem as precauções necessárias para evitar qualquer acidente.
2 – (…).
Quem me conhece sabe a importância que eu dou às regras, nem que seja para bem perceber onde e quando devemos quebrá-las.
Seguindo o método indicado, avisei a família e amigos próximos da minha irascibilidade latente e do prognóstico traçado pelo médico, entrecortado por sucessivas vagas dum ranhoso choro encarcerado por décadas de estoica perfeição:
“parece-me que o seu calcanhar de Aquiles são os relacionamentos amorosos. Tem de detectar os episódios que originaram estas emoções e desconstruir o seu sofrimento” – explicou-me com vagarosa determinação.
Em seguida pôs-me literalmente no olho da rua, não sem antes me explicar a história das sementes que brotam e fazer-me garantir total submissão a um processo de psicoterapia.
Mas o que ele não me disse, foi que do raio das sementes não iam brotar delicadas e fragrantes flores para serem carinhosamente regadas, mas sim vorazes ervas daninhas que eu (e só eu), à custa de muita força e persistência, deveria arrancar sem piedade.
E volvidos oito dias, ainda aqui ando, a olhar em todas as direções em busca de algo novo, de um sinal que teima em não se manifestar.
Parada num semáforo, ponho-me a pensar no amor.
Então estendo a memória até ao tempo da escola, para reencontrar a primeira noção do amor, que me chegou numa manhã de janeiro num avião de papel a acertar no meu braço, antes de aterrar no banco do recreio bem ao lado do donut endurecido por uma mãe ausente, que o meu pai comprava de véspera na padaria da Dona Irene e a que chamava lanche da tarde.
Assim o amor foi-me apresentado numa folha rasgada do caderno escolar, através da solene pergunta que fazia qualquer coração de dez anos descompassar e prometia mudar o rumo de toda uma vida, assim caligrafada:
“Queres ser minha namorada?”
Claro está, para prevenir qualquer hipótese de ambiguidade que o discernimento de um cérebro de dez anos fazia antever, seguiam-se três pequenos quadrados onde devia assinalar com “X” uma das opções discriminadas: “sim”, “não”, ou “talvez”.
Eu respondi que sim ao Flávio que era moçambicano e tinha olhos bondosos. A partir daí nunca mais foi tão simples, tão puro e tão completo. E desde que acabou a escola primária nunca mais vi o Flávio nem olhos tão bondosos.
Passava das quatro horas quando as sementes se agitaram e decidi que estava na hora de ir conhecer a Bernardete, tão recomendada, milagreira e promissora de definitivas soluções.
Então atravessei-me de supetão na faixa da esquerda e entrei numa rua de sentido único.
(Continua)
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Obrigada! Vocês dão sempre uma moral... :)
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Muito obrigada participar da iniciativa #Trovadores!
O seu texto foi DESTACADO (Parabéns!) e já está nesta edição da curadoria da tag #Trovadores.
\Abraços/
@tmarisco . #trovadores . @msp-brasil
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Wow! Obrigada :)
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muito interessante a forma que você escreve, poético, tem talento parabéns.
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Muito obrigada João. Ainda esta semana publicarei a continuação. Entretanto vou intercalando com outros temas, outros "olhares". :-)
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