**Entrando no campo do funcionamento psíquico ** - 2

Psicopatologia é um nome controverso, devido a difícil diferenciação, do que estaria dentro dos fenômenos psicológicos e o que estaria dentro dos fenômenos patológicos, são fenômenos que entrelaçam entre si sem limites distintos. Sendo considerada por muitos uma teoria que traz patologização generalista, um conhecimento dos indivíduos, sem realmente conhece-los, ( do sujeito pelo objeto), e não da pessoa em si.

Trago esses contrapontos, pois não defendo conhecimento nenhum, utilizo eles, e são sempre questionamentos pertinentes. Para mim é um instrumento, e assim como qualquer instrumento construído pelos humanos, cai nos viés humano. Quem sabe-se utilizá-la ajuda a muitas pessoas, é assim com qualquer instrumento, como a internet, o carro, a faca, entre muitos exemplos que podemos dar, está também o saber.

Esse estudo de fenômenos, deu-se o nome de fenomenologia, e tem como grande pensador e escritor chamado Karl Jaspers, entre outros claro, que através do livro Psicopatologia Geral - Psicologia Compreensiva, Explicativa e Fenomenológica - 1 edição data de 1911, consolidou os conceitos fundamentais, que até hoje são referências da clinica psiquiátrica.

Em uma metáfora, K. Jaspers, tenta explicar o conceito de psicopatologia, onde ele diz que a fenomenologia visualiza a espuma do mar, enquanto o individuo é o mar e suas profundezas, não sendo seu objetivo resumir o individuo a essa espuma, e sim compreender esses fenômenos objetivos no nível da vida psíquica são realmente vivenciados.

Um exemplo para ajudar, é quando o individuo diz que ouve vozes, na imensa maioria das vezes, ele está falando a verdade, nos resta saber se essa realidade que ele vive, é uma voz objetiva, ou está no plano subjetivo, a voz tem característica de uma voz verdadeira, ou se é uma voz falsa, que no entendimento daquele individuo é real, não tem diferença para ele. Aqui verdadeiro e falso, não se remete ao individuo, que experimenta esse fenômeno, para os clínicos que se torna uma questão, se a alucinação é verdadeira, se seria uma pseudo alucinação, e até se é uma construção do paciente, que também importa para clinica pois a "mentira" de alguma forma, é um sinal de falta de confiança no seu clinico. Essa diferenciação faz muita diferença, na investigação clinica, para conhecer o que o individuo vivencia, entende-lo, buscar um diagnostico e suporte de tratamento, conhecido como projeto terapêutico singular.

" Tudo o que, em verdade, podemos conhecer da atividade psíquica dos nossos semelhantes por via senso-perceptiva, e em virtude de raciocínios por analogia, seria, com efeito, muito pouco - nada mais que os gestos, ademanes, entonações, verbalizações e comportamentos exteriores - dados que jamais poderiam conduzir-nos a inferências positivas a respeito, e sim, tão só, a suposições mais ou menos cabíveis e prováveis. Mas, conhecer alguém, psicologicamente falando, equivale a penetrar a intimidade de sua vida afetiva, descobrir suas tendências, sentimentos e paixões, coparticipar de seus temores, apreensões, alegrias, tristezas, desejos, esperanças, privar enfim de tudo isso que responde por sua maneira pessoal de sentir e reagir" A. L. Nobre de Melo - Psicologia Geral e Psicopatologia - 3 Edição - vol 1 - pag 521 pr 2, Editora Guanabara.

Toda vida do individuo, é demonstrada para nós, do seu consciente, isso depende de como foi sua existência e interação na sua realidade, no seu mundo próprio, como foi elaborada e estruturada pelo saber do próprio individuo na sua forma de ver o mundo. Quando falamos, falamos da gente, quando sentimos, são nossos sentimentos, por mais que tendemos atribuir aos outros, são nossos, independente da razão esta a nosso favor ou não.

Esse é um conceito fundamental, não nos cabe julgar, temos que entender, ou seja, temos que ver como aquele individuo vê e interage com o mundo, na forma dele, do jeito dele, não como achamos que ele deveria interagir, infelizmente na prática nem todo mundo entende isso.

A psicopatologia é uma teoria de investigação, um instrumento, e deve-se sempre resistir a tentação de reduzir o homem ao denominador comum, não é seu objetivo.

Nessa elaboração, K. Jaspers, e posteriormente outros grandes pensadores, dividiram nosso funcionamento mental, em estruturas extra conscientes, a fim de explicação, que hoje são conhecidas como Consciência, Orientação alo psíquica e auto psíquica, Linguagem, Atenção, Memoria, Inteligência, Sensopercepção, Pensamento, Afeto, Psicomotricidade, Volição, Pragmatismo, Consciência do eu, Prospecção e Consciência de morbidade.

Todas divididas didaticamente, contudo funcionando ao mesmo tempo, e classificadas, após avaliação do paciente, do que chamamos de exame psíquico, do qual é uma narrativa da forma que aconteceu, da cena, da entrevista, em texto, e depois classificados os fenômenos em súmula. Irei falar de algumas estruturas, e caso alguém tenha interesse, só me falar nos comentários que posto especificamente sobre alguma estrutura, a quem tiver curiosidade.

Nessas estruturas, iremos delimitar quais fenômenos objetivos (objetivo em contraponto a subjetivo), são presentes, fenômenos são formulações descritas, de vivências trazidas pelos indivíduos, que se mantém de certa forma em padrões, sendo possível observar em muitos indivíduos, e não são sempre patológicos, podendo acontecer com qualquer um.

Exemplo de fenômenos mais claros são, escutas alucinatórias, conhecidas como vozes, que está na estrutura da sensopercepção, outro seria o delírio primário, ou ideias deliroídes, que são falso-juízos, estando dentro da estrutura do pensamento, e outro exemplo é o humor, podendo estar triste, alegre, irritável..., estando dentro da estrutura do afeto. Exemplos bem pontuais, para tentar ilustrar e facilitar esse entendimento.

Todas as estruturas são muito complexas em seu funcionamento, sendo o fenômeno apenas uma descrição do que se vivencia, um padrão, estando longe de explicar o funcionamento psíquico por si só, com fim de identificação e diferenciação dentro de uma multiplicidade enorme.

Bom pessoal, acho que está bom por hoje, não sei se ficou maçante ou se estou conseguindo passar alguma coisa que interesse a vocês, espero estar conseguindo passar um pouco dessa área que cai muito no viés cultural, mas que importa a todos nós como uma clinica que trabalha com o amplo conceito da normalidade, um conceito muito importantes, que trarei mais para frente, afinal como diz o ditado "de médico e louco, todo mundo tem um pouco". Acredito muito na psicoeducação, e que todos devem ter a oportunidade de entender melhor tanto nosso trabalho como ele é feito, e até mesmo como e quando procurar ajuda. É um dos meus objetivos aqui.

No próximo post de seguimento trarei um pouco do meu entendimento sobre outra teoria, a qual sou mais direcionado em minha clínica e que ao meu ver, é uma teoria incrível, e tão lógica quanto a ciência se propões, que é teoria da Psicanálise.

"Não conhecemos nenhum conceito fundamental que possa conceber o homem exaustivamente. Nenhuma teoria em que se possa apreender, como um acontecimento objetivo, toda a sua realidade" K. Jaspers - Psicopatologia Geral 2 edição. - Volume 1 pag 17 pr 3. Ed: Livraria Atheneu

Referências de autores para elaboração do texto:
K. Jaspers
A. L. Nobre de Melo
P. Dalgalarrondo
E. Cheniaux
G. Messas
J. Leme Lopes

Para além do texto, autores clássicos indispensáveis:
L. Binswanger
E. Minkowski
J. Cotard
E. Kraepelin

E ainda tem muitos outros grandes pensadores e estudiosos de psicopatologia não citados.

Se gostaram, dúvidas, ou opiniões, podem deixar nos comentários.

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