Twin Peaks - Mergulhando no fantástico mundo de David Lynch

in pt •  7 years ago 

É muito custoso escrever sobre algo pelo qual se tem uma paixão muito grande, por que você simplesmente não consegue achar as palavras, elas soam medíocres, limitadas e opacas. Mas é necessário tentar. É necessário experimentar.

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Históricamente Twin Peaks tem sua importância no mundo audio-visual por ter sido precursora de um modelo, as séries investigativas onde as coisas não saem tão bem quanto deveriam ou onde a perturbação presente na trama é mais complexa do que o mocinho e bandido. O ano de 1990 foi deturpado no mundo televisivo ao apresentar no primeiro episódio a jovem Laura Palmer morta na beira do mar, enrolada em plástico. Isso tudo em uma cidadezinha que não "aparentemente" não conhecia a dor e a morte. Twin Peaks é o retrato perfeito (ao menos em nossas mentes) daquela cidade típica de interior dos EUA com lenhadores e pescadores, pessoas simples, tomando seus cafés num restaurante de beira de estrada e esperando a noite chegar para dormir. Mas quanto mais se aprofunda na historia, mas bizarro e assustador esse mundinho se torna. Assim como é nossa mente, quanto mais fundo vamos no inconsciente, mais assustador é. Desde o início seu criador, David Lynch (um dos maiores gênios vivos que o cinema já teve) deixa clara sua intenção com a série e quanto mais a trama se desenrola, mais absurdo e intrigante se torna. Twin Peaks tem uma relação muito profunda e intensa com os sonhos e com todo tipo de anomalias da mente e da "alma". O "protagonista" se é que podemos chamar assim, Dale Cooper, um investigador do FBI fica maravilhado com a pequena Twin Peaks e dá-se de corpo e alma para resolver o caso de Laura Palmer, quanto mais se aprofunda, mais se entrega a esse universo misterioso e absurdo. Cooper é um personagem incrível, extraordinariamente interpretado por Kyle MacLachlan, um dos preferidos de Lynch (vide Veludo Azul e Duna), viciado em café, sempre com bom humor e compenetrado na investigação, falando com seu gravador de mão com uma (até então) desconhecida Diane. No desenrolar da série você verá de tudo, um anão que fala de trás para frente em um salão vermelho, um gigante que aparece nos sonhos para dar pistas ao detetive, uma senhora que fala com um tronco e recebe mensagens do além do mesmo e toda a sorte de personagens extremamente caricatos porém nada forçados. Difícil não se apaixonar pela cidade e seus moradores. A segunda temporada perde forças depois da resolução do caso de Laura Palmer mas acaba de forma grandiosa... e totalmente abrupta. Muita polêmica rolou na época, desde acusações que Lynch abandonou o projeto, ou que cortaram por pouca audiência, o que se sabe é que o modo como a série acabou foi brutal (de forma boa e ruim). Mas uma coisa importante acontece nesse último momento da série. Em determinado momento, quando o investigador entra em contato com um possível "espirito" de Laura Palmer (para os fãs, ok, só estou tentando facilitar a explicação para o povo), ela diz: -Eu te vejo em 25 anos, detetive.

Ok... a série acaba no ano de 1991.

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Acontece que o mundo é um negócio bizarro e perverso, de lá para cá David Lynch destruiu o cérebro de seus fãs com uma porção de filmes, incluindo o esplêndido Mulholland Drive. Na época da série ainda lançou um filme chamado Fire Walk With Me - Os últimos dias de Laura Palmer. Que para um desavisado que resolve ver por conta sem conhecer a série (como foi meu caso), foi como entrar num pesadelo editador por um doente mental. Ok, foi exagero. Mas é um negócio absurdo, porém para os que conheciam a série completa, muitas peças foram encaixadas, muita coisa ganhou cores novas com esse filme, inclusive com a fantástica cena com David Bowie interpretando o enigmático Phillip Jeffries.
Passam-se os anos e então chegamos em 2017, e sinceramente, não sei se isso veio das cabeças insanas e geniais de Lynch e Mark Frost (o co-criador de Twin Peaks, perdão por não falar nele antes, grande homem, genial também) ou se alguém colocou essa pulga atrás da orelha deles, mas o fato é que passaram-se os 25 anos que Laura Palmer falou no ouvido de Cooper. E cá estamos nós, com a série retornando das cinzas, do inferno, sei lá de onde! E retorna DESTRUIDORA. Sério. Destruidora.

Quando pensa se que Lynch já tinha avacalhado bastante com a mente de seus telespectadores, ele faz pior, muito pior. Inclusive, Twin Peaks: The Return (2017) é um divisor de águas da própria série, por que existiam dois tipos de fãs: os fãs saudosos que gostavam da trama novelesca com um certo mistério que permeava principalmente a primeira temporada (1990) e os fãs que gostavam do delírio, dos enigmas, dos pesadelos e perturbações mentais espalhados por toda a série. E Twin Peaks Return é exatamente o florescimento dessa segunda parcela. A série não erra em um mero minuto, de todos os seus 18 longos episódios. Além de expandir o mundo além da cidadezinha e incluir uma gama incrível de novos personagens cativantes e absurdos, consegue cavar muito fundo no inconsciente do espectador que aflito tenta junto com todos os envolvidos resolver ao menos uma parte da trama que agora torna-se brutalmente mais complexa do que já era! A maioria dos personagens originais estavam presentes na série e era incrível vê-los mais velhos, com marcas no rosto. Não a toa Kyle MacLachlan concorreu ao Globo de Ouro do ano de 2017 pela sua múltipla atuação... É difícil de explicar, mas Kyle fez o papel de Cooper preso em uma realidade paralela, Cooper na terra "possuído" por um espírito assassino e um Cooper estúpido, desmemoriado e encarnado no corpo de outro homem, esse terceiro rendendo de longe sua melhor atuação, engraçadíssima!

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Como disse no início do texto, tudo que falar aqui será insignificante diante da densidade e profundidade dessa obra máxima das séries. Só mesmo assistindo para entender. Mas é importantíssimo deixar claro: NÃO COMECE PELA NOVA TEMPORADA. A Netflix faz parecer que é a primeira temporada, mas não, não é. Volte para 1991 (dê seus pulos, se vire) e assista as duas primeiras. Sério. A segunda é demorada e cansativa (principalmente por que Lynch largou o meio dessa temporada na mão de outros diretores) mas termina muito bem e você poderá se dar o prazer de ver 18 horas da nova temporada.

Cabe ainda aqui dar alguns exemplos de quão influente foi a série para o mundo. Twin Peaks influenciou: Fargo, True Detective, Lost, Leftlovers, Top of the lake, além de jogos como Silent Hill, Life is Strange, Alan Wake e Deadly premonition.

Ao ser questionado a respeito de uma continuação da série para os anos seguintes, o velho Lynch apenas responde: -Nunca diga nunca.

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Obrigado por ler!

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Acho que merecia aqui uma menção à excelente trilha sonora especialmente á inesquecivel Falling

Sem dúvidas!! Foi um lapso deixar passar a incrível trilha sonora da série! Valeu por lembrar!

Sempre tento arrumar forma de encaixar musica em tudo na minha vida e de facto quando são inesqueciveis nao posso deixar de contribuir para que teu post ficasse mais completo nota que ainda podes editar e acrescentar se assim o entederes.

Fiquei com vontade de assistir. Eu parei na primeira temporada por algum motivo, mesmo gostando de toda a esquisitice do ambiente. O seu texto me lembrou de uma sensação que tive nos episódios que vi, a de que, mesmo em uma cidade "típica" com "lenhadores e pescadores, pessoas simples, tomando seus cafés num restaurante de beira de estrada e esperando a noite chegar para dormir", o humano nunca falha em deixar marcada a sua profundidade e sua inapagável tônica de esquisitice nas pequenas coisas que compõem nossa existência.

Só lembro de sempre dormir no meio dos episódios e acordar vendo aquelas cenas do Black Lodge sem saber se eu tava sonhando ou se estava acontecendo mesmo...
De qualquer modo, meu estômago ainda é fraco para aguentar certas cenas...

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